Quarta-feira, 30 de outubro de 2024
Por Redação Rádio Pampa | 30 de julho de 2022
O presidente Jair Bolsonaro tem inimigo na trincheira. Quem deu a ideia da reunião com os embaixadores , provavelmente por ignorância, não era capaz de calcular o estrago da infeliz iniciativa.
Para começo, é raro e incomum o precedente de um chefe de Estado convocar o corpo diplomático para tratar de um assunto interno. É da função do diplomata lotado em estado estrangeiro tomar conhecimento dos fatos, desenhar cenários e possíveis desdobramentos. Porém está definitivamente, está fora de alçada dar opiniões ou se imiscuir neles.
O convite era sem direito a perguntas, opiniões ou observações. Isto é, era uma espécie de aula magna, em que um fala e os outros escutam. Fico a imaginar o que passou pela cabeça de cada um daqueles representantes de estados estrangeiros – ali, sentadinhos, em ordem e silêncio, guardando para si (em geral) sólidos conhecimentos adquiridos nas boas escolas dos seus países, enquanto o preceptor, notório pelo despreparo, dava o tom e as tintas.
É claro que os senhores embaixadores sabiam muito bem do que se tratava, a questão da fraude eleitoral, das urnas eletrônicas. Os diplomatas têm por obrigação acompanhar de perto os acontecimentos e as conjunturas dos países onde atuam. Nenhum deles ignorava o conteúdo da “palestra”. Todos sabiam que era um proscênio teatral, adrede montado, para servir aos propósitos eleitorais do presidente.
E por que foram se sabiam? Porque é assim que funciona: se o chefe de Estado chama e convoca, para evento particular ou coletivo, se os países envolvidos não estão em situação de crise, é assentado que o embaixador deve aceitar o convite, sob pena de ser visto como uma desfeita – pecado mortal nas relações diplomáticas.
Bolsonaro fez o de sempre. Atacou o TSE, os ministros Fachin, Moraes e Barroso, lançou insinuações sobre a integridade do sistema, levantou teorias sobre a manipulação das urnas eletrônicas, navegou pelos argumentos costumeiros e tortuosos – botou para quebrar.
O normal seria ruborizar pelo espetáculo de mau gosto. Mas o rubor não é o forte de Bolsonaro e dos seus seguidores – falta-lhes tato e educação, estilo, empatia. Façam o que fizerem, digam o que disserem, partem da premissa que estão arrombando.
A chanchada dos embaixadores rendeu, no dia mesmo e nos dias seguintes, uma saraivada de críticas, vindas de todos os lados. Todos os jornais da grande imprensa dedicaram editoriais de repulsa ao ato insólito, à figura do presidente que reúne os diplomatas estrangeiros para falar mal do seu próprio país, do país que ele governa.
Juízes, integrantes do Ministério Público, da Procuradoria Geral da República, da Polícia Federal e até da ABIN, por igual, condenaram o presidente e a sua desditosa performance. É que todas essas categorias, mais cerca de 1,5 milhão de brasileiros que servem de mesários nas 400 mil seções eleitorais do país, se sentem atingidos pelas suspeições que se multiplicam na voz do presidente: se o sistema é suspeito, então eles também são suspeitos.
Afastar Bolsonaro, mandá-lo para casa, não é apenas um ato político, uma escolha de governante : é um ato civilizatório.