Quarta-feira, 20 de novembro de 2024

A moda agora é vestir Cannabis: empreendedores brasileiros começam a fabricar peças a partir da fibra de cânhamo

Em meio às discussões sobre a legalização do cultivo de Cannabis sativa no Brasil, o foco costuma estar em fins medicinais. Mas, para além dos medicamentos, a planta também movimenta a indústria têxtil, com roupas a partir do cânhamo. O uso da fibra para o vestuário não é novidade, mas seu potencial de inovação tem inspirado pequenos negócios, como a Blum, empresa lançada neste mês, que faz calcinhas menstruais com cânhamo. Segundo especialistas, a Cannabis, que dá origem à maconha e ao cânhamo, é a matériaprima de cerca de 25 mil produtos no mundo. Em 2018, o mercado global da planta movimentou US$ 18 bilhões, de acordo com a consultoria norte-americana New Frontier Data, especialista no tema.

Nos países onde o cultivo é permitido, o cânhamo é base das indústrias têxtil, de alimentos e bebidas, bem-estar, beleza, construção, entre outras. Hoje, mais de 30 países produzem o cânhamo industrial, liderados por China e França. O setor faturou US$ 4,58 bilhões em 2019, segundo dados da New Frontier Data.

No Brasil, no caso da indústria têxtil, é permitida a importação do tecido ou da roupa já confeccionada. “Nos anos 1930, numa onda internacional, houve a proibição da Cannabis como um todo e de vários usos do cânhamo industrial, mas não se aplicou às fibras e ao têxtil. Se amplamente legalizado, teríamos várias possibilidades de usar o cânhamo”, diz Rafael Arcuri, diretor executivo da Associação Nacional do Cânhamo Industrial.

Os benefícios do cânhamo na indústria têxtil já são conhecidos por grandes marcas, como Adidas, Osklen, Levi’s e Reserva, que vendem itens de vestuário feitos a partir da fibra. Mas também há espaço no setor para os pequenos negócios, caso da Blum, dos empreendedores Poliana Rodrigues e Bruno Nogueira.

A jornada dos sócios pelo mundo da Cannabis vem desde 2019, quando abriram a Blazing Beauty, que começou como portfólio de cosméticos derivados do cânhamo, sem CBD ou THC. Neste mês, o negócio – que funciona pelo Instagram – tornou-se uma plataforma de conteúdo sobre Cannabis e um espaço de colaboração com outros empreendedores.

Sustentabilidade

“O cânhamo tem um processo de produção mais sustentável, é uma planta mais resistente e consome menos água. Na maioria das vezes, não necessita de pesticidas, as fibras extraídas são atóxicas”, diz Poliana. “Ainda que a calcinha menstrual não seja inédita, ter cânhamo está alinhado não só com sustentabilidade, mas também com o comportamento do futuro.”

Rafael Arcuri complementa: “A fibra é mais resistente que a do algodão, o que gera mais durabilidade, o que aumenta o tempo de substituição da peça, sendo mais sustentável. O cultivo do cânhamo faz uma captura de carbono mais eficiente que outras plantas e ele entra na lógica da economia circular de forma muito completa, porque todas as suas partes podem ser utilizadas”.

As calcinhas serão produzidas na China (já que no Brasil não é permitido), e as vendas, realizadas em um marketplace, o Ekoesfera, que será lançado ainda neste ano, com foco em produtos sustentáveis. A ideia inicial dos sócios era criar um negócio com investimento próprio, com a estimativa de vender 250 calcinhas por mês. No entanto, na fase final de produção do protótipo, eles receberam uma proposta de investimento (em contrato sigiloso) do Grupo Maeté, focado em negócios de Cannabis.

“Antes, a gente estava no ‘empreendedorismo de guerrilha’. Agora, o Grupo Maeté adquiriu uma parte da empresa e nós vamos ter investimento estrutural e financeiro. Então, estamos reformulando o plano de negócios antes de começar a vender as calcinhas”, conta Poliana, dizendo que as peças devem começar a ser vendidas em 2022, a um preço estimado em R$ 119 cada uma.

Até tijolo

Impulsionadas pelo uso na indústria têxtil, as associações de cânhamo no Brasil trabalham para que ele possa ser utilizado em outras produções. O próximo passo é o uso na construção civil, aponta Arcuri. “Hoje, o maior uso do cânhamo no Brasil é em roupas, mas estamos tentando trazer concreto de cânhamo, um tijolo que pode ter diferentes formas e proporções de cânhamo. Dependendo da formulação, ele pode ser estrutural ou para preenchimento.”

O uso do ‘hempcrete’, como é chamado o concreto, é apontado pelo estudo “Pesquisa, Inovação e Tendências de Mercado”, realizado pela consultoria e aceleradora de startups voltadas ao mercado da Cannabis The Green Hub, como uma alternativa sustentável e efetiva para o Brasil, principalmente ao se considerar a carência habitacional do País. Disputa global China e França lideram a produção de cânhamo industrial, dentre mais de 30 países no mercado.

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