Segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

A transversalidade da cultura como ideia para adiar o fim do mundo

“Ideias para adiar o fim do mundo” é o título de um famoso livro do pensador indígena Ailton Krenak, publicado em 2019. Nele, o autor nos convida a refletir acerca da relação da humanidade com a natureza e a pensar perspectivas para o futuro. A organização política, econômica e social, sob o pensamento ocidental e o capitalismo, demonstra sinais de fragilidade e esgotamento. O meio ambiente está em grave alerta e, para Krenak, é necessário colocar a cultura em perspectiva.

Muitos falam em crise do Antropoceno, termo que se refere a uma era de centralidade do ser humano e de sua intervenção em relação à Terra. Se para a sociedade ocidental, os desafios climáticos que se impõem pelo modo como vivemos colocam em xeque a nossa organização política, econômica e social, para as sociedades indígenas esta questão está clara desde o início da colonização. Krenak nos chama a atenção para aprender com os povos indígenas, para abraçar formas mais holísticas de perceber e lidar com a vida, a partir do reconhecimento da natureza como sujeito.

As ideias de Krenak, propositadamente ou não, começam a ser abraçadas pelas políticas culturais. Desde 2015, com a aprovação do compromisso da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) vem enfatizando o papel transversal da cultura nas políticas públicas. No âmbito nacional, o Ministério da Cultura (MinC) tem reforçado este entendimento.

O Brasil ocupa, pela primeira vez, a Presidência do G20, grupo de articulação multilateral, fundado em 1999, composto por Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, França, Alemanha, Índia, Indonésia, Itália, Japão, República da Coreia, México, Rússia, Arábia Saudita, África do Sul, Turquia, Reino Unido e Estados Unidos, além da União Europeia. Como um todo, os países do G20 representam dois terços da população mundial e aproximadamente 85% do Produto Interno Bruto global, ou seja, de todos os bens e serviços produzidos mundialmente.

A encargo da Presidência do G20, cujo mandato é de um ano, o país tem a oportunidade de oferecer o tom das discussões, e uma das agendas definidas como estratégicas pelo Brasil foi inserir a discussão da cultura como eixo transversal. O G20 é, sobretudo, um fórum de cooperação econômica internacional. A inserção da pauta da cultura, nas discussões do grupo, tem como objetivo pensar formas mais inclusivas e sustentáveis de relações políticas, econômicas e sociais. É, portanto, uma abertura à diversidade.

De acordo com a ministra da Cultura do Brasil, Margareth Menezes, a cultura deve ser vista como indissociável “a questões como sustentabilidade, cooperação Sul-Sul, inclusão social, diversidade, cidadania, direitos humanos, economias criativas, preservação do meio ambiente, dentre muitos outros”.

Com essa visão estratégica da cultura, em dezembro de 2023, durante a 28ª Conferência de Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas (COP-28), Margareth Menezes lançou uma iniciativa de coalizão internacional (o Grupo de Amigos da Ação Climática Baseada na Cultura – GFCBCA), para colocar a cultura como assunto central nas negociações climáticas.

Para a ministra, a cultura deve ser vista como uma força única e poderosa no combate às mudanças climáticas. De acordo com informações na página do MinC, “essa iniciativa visa integrar ativamente os valores culturais, práticas tradicionais e conhecimentos indígenas na estrutura das políticas climáticas, ampliando a compreensão sobre como a cultura desempenha um papel crucial na adaptação e mitigação das mudanças climáticas” (Essa iniciativa visa integrar ativamente os valores culturais, práticas tradicionais e conhecimentos indígenas na estrutura das políticas climáticas, ampliando a compreensão sobre como a cultura desempenha um papel crucial na adaptação e mitigação das mudanças climáticas).

Priorizar a diversidade cultural como eixo estratégico de discussões econômicas e climáticas é admitir que não há um modelo único de futuro e que soluções criativas podem ser imaginadas. Em que pesem as dúvidas acerca das melhores projeções, trata-se de uma oportunidade, aberta ao diálogo, para acolher formas mais inclusivas e sustentáveis de viver – uma ideia para adiar o fim do mundo.

(Maria Helena Japiassu M. de Macedo, Advogada. Doutoranda no PPGD/UFPR. Pesquisadora em Direitos Culturais. Membro associada do IBDCult)

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