Terça-feira, 26 de novembro de 2024

A última cartada do general Mário Fernandes: convencer o chefe do Exército nomeado por Lula a dar o golpe

O general de brigada Mário Fernandes, ex-comandante de Operações Especiais do Exército e então número 2 da Secretaria-Geral da Presidência, procurou o general de Exército Júlio César de Arruda, em seu gabinete, no Bloco B do Quartel-General do Exército (QGEx) em Brasília, no final de 2022, para pressionar o amigo a impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e dar um golpe de Estado. Seu objetivo era garantir a permanência de seu grupo político no poder.

Era dia 28 de dezembro de 2022. Arruda chefiava o Departamento de Engenharia e Construção (DEC) do Exército. Mário Fernandes chegou à sala do general acompanhado por dois coronéis da reserva, ambos também oriundos das Forças Especiais (FE), assim como Mário e Arruda, que assumiria o comando do Exército no dia 30. O futuro comandante e Mário eram amigos. Arruda chamava Mário de “32″, uma referência ao número do subordinado no curso de operações especiais.

Depois de criticar o então comandante do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, que não embarcara, dias antes, na ideia de golpe defendida por alguns militares – e que incluía ainda um plano para matar Lula, seu vice Geraldo Alckmin e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes – Mário foi direto com Arruda: “O senhor vai assumir o comando depois de amanhã. O senhor tem de fazer alguma coisa!”.

Queria barrar a posse de Lula. Arruda expulsou, imediatamente, Mário e os dois coronéis de seu gabinete e deu uma ordem: que não voltassem mais ali enquanto ele fosse o comandante.

A presença dos personagens no QGEx pode ser verificada pelo localização dos sinais dos telefones celulares dos envolvidos, registrados na Estação Rádio-Base (ERB). O ministro Alexandre de Moraes determinou o afastamento do sigilo e o monitoramento em tempo real de ERB e conexão de dados dos telefones cadastrados em nome de Mário e de quatro coronéis. O objetivo é reconstruir os passos dos suspeitos. Duas fontes ouvidas pela coluna confirmaram a cena.

A tentativa de convencer o futuro comandante do Exército a embarcar no plano golpista e as pressões sobre Freire Gomes revelariam que, mesmo entre os “kids pretos”, como são conhecidos os militares com o curso de forças especiais, o apoio à aventura golpista era limitado. Seria um pequeno grupo – dizem as fontes. É o que mostraria ainda outra ação de Mário.

Às vésperas de desencadear a ação que pretendia, segundo a Polícia Federal, matar Alexandre de Moraes, no dia 15 de dezembro de 2022, o general Mário enviou uma carta ao general Freire Gomes e, depois, a compartilhou em grupos de WhatsApp de militares. O texto da chamada “carta maldita” dizia: “Precisamos tomar as rédeas da situação, COMANDANTE! O respaldo popular está aí e se prosseguirmos na atual passividade, corremos o risco de perder tanto o apoio como a histórica confiança de nossa Sociedade!”.

E prosseguia, afirmando: “Com o atual Governo, existem, além do Sr, diversos Oficiais Generais e competentes Civis, todos indiscutivelmente PATRIOTAS, dedicados a um futuro digno para esta Nação. Com LULA, quantos serão? Não seremos mais ouvidos! (…) Nós nos conhecemos, COMANDANTE, não admitiremos o que está por vir… E reagiremos! Então, por que não reagir agora?”. E concluía: “É agora ou nunca mais, COMANDANTE, temos que agir! E não existe motivação maior do que a proteção e o futuro desta Grande Nação e de seus filhos… Os nossos filhos!”.

De acordo com testemunhas ouvidas pela coluna, a ação do general Mário enfureceu o comandante do Exército. Freire Gomes cogitou “uma pronta intervenção” para prendê-lo. Depois, desistiu, por temer uma reação do ainda presidente Jair Bolsonaro (PL). Pelo mesmo motivo, Freire Gomes desfez a ordem dada em 29 de dezembro pelo general Gustavo Henrique Dutra de Menezes, então comandante militar do Palácio do Planalto, de desmontar as barracas dos bolsonaristas acampados em frente ao QGEx.

Freire Gomes chegou a chamar Dutra de “maluco”. A resistência do general Dutra ao acampamento ficou registrada na troca de mensagens de 9 de dezembro apreendida pela PF entre Mário Fernandes e o ativista Rodrigo Yassuo Faria Ikezili, que pedia apoio ao general para instalar uma tenda no acampamento em frente ao QGEx.

Mensagem de Rodrigo Yassuo Faria Ikezili para o general Mário Fernandes encontrada pela Polícia Federal com o pedido de apoio Foto: Reprodução
Diante da resistência de Dutra e de Freire Gomes ao golpe – além de outros generais do Alto-Comando –, os golpistas tentaram bypassar Dutra, buscando aliciar o general Carlos Alberto Rodrigues Pimentel, comandante do Comando de Operações Especiais (COpEsp) para a empreitada. Pimentel acabaria passando para a reserva em 2023, após ser preterido na promoção para general de divisão.

De acordo com fontes ouvidas pela coluna, ele foi traído pelos subordinados, aliciados por Mário que usaram viaturas do COpEsp para executar ações do plano Punhal Verde e Amarelo, que previa as execuções de Lula, Alckmin e Moraes. Mesmo assim, seu comando acabou criticado pelos pares, segundo a lógica de que o comandante é responsável por tudo o que acontece em sua unidade, pelo que sabe e pelo que não sabe.

O grupo de militares que era do COpEsp investigado pela PF – parte deles da turma de 2000 da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), a mesma do tenente-coronel Mauro César Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro – teria praticado uma série de crimes a fim de manter a execução do plano: usaram identidades falsas, inseriram dados falsos em bancos de dados, apropriaram-se de viaturas e fundos públicos para fins privados, além de terem constituído uma organização para praticá-los, na qual cada um tinha tarefas determinadas.

Agiam em unidade de desígnios para executar o golpe de Estado e traçaram um plano, como se aprende nas escolas militares. Mas deixaram um rastro de pistas que levou a PF a identificá-los, depois que estiveram muito perto de iniciar a execução do golpe, em 15 de dezembro. Naquela noite, o chefe deles deu a ordem aos agentes que estavam em campo para abortar a operação. (Análise/Marcelo Godoy/O Estado de S. Paulo)

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