Sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Açafrão: tempero mais caro do mundo é cada vez mais falsificado

O açafrão, o tempero mais caro do mundo, enfrenta turbulências no mercado de especiarias, em meio a sanções econômicas dos Estados Unidos contra o Irã, principal produtor mundial, e à crescente falsificação em diferentes partes do mundo.

Para especialistas, o tempero deve ter seu peso calculado em ouro. Um único grama produzido na Suíça, por exemplo, custa US$ 60.

Usado desde a antiguidade, ele é apreciado em pratos do Mediterrâneo, risotos, paelha espanhola e doces. Também é uma defesa culinária contra doenças, desde problemas no estômago até a degeneração dos olhos. A rainha egípcia Cleópatra usava a especiaria em banhos de infusão para aumentar seu fascínio; Alexandre, o Grande, recorria a ela para curar feridas de batalhas.

O açafrão do Irã tem uma marca aromática excepcional e única. Para os iranianos, a fonte verdadeira da especiaria é a região de Khorasan, no nordeste do país, com solo, topografia, clima e água especiais e de onde saem quase 90% da produção mundial. O governo iraniano calcula que o país fatura US$ 350 milhões por ano com exportações de açafrão, que é várias vezes mais barato no país do que na Europa. Mas o negócio enfrenta dificuldades por causa das sanções de Washington ao Irã.

Demanda crescente

Esse cenário ficou mais visível com o aumento da demanda global, na esteira da pandemia da covid-19. Negociantes iranianos ampliaram cadeias de fornecimento “opacas”, com intermediários suspeitos e dúvidas sobre a qualidade real do produto. Um quilo de açafrão de Khorasan pode ser enviado pelo correio para Dubai ou Espanha, ou uma pequena carga pode ser transportada em meio a flores ou outras ervas.

Na Inglaterra, tem comerciante que afirma que conseguiu comprar um quilo da especiaria iraniana por US$ 1,4 mil, uma pechincha sem precedentes. Mas a questão é saber de onde vem e qual é a qualidade.

‘’Há mais de 60% de açafrão falsificado negociado no mundo’’, diz o suíço Fabien Fragnière, produtor no cantão de Friburgo. ‘’É mais rentável vender o falsificado que o verdadeiro. Usam o cabelo da espiga de milho, que é misturado com um pó, e, como o consumidor não conhece bem, acaba achando que é açafrão’’.

A Suíça produz apenas 1 quilo de açafrão por ano. Fragnière responde por 500 gramas. “É um trabalho duro e manual. São necessárias 100 mil flores para esses 500 gramas’’. Ele vende o grama por entre 50 e 60 francos suíços. ‘’O açafrão suíço é bem mais caro porque se sabe onde foi colhido e não passou por tantos intermediários. Tem segurança’’.

As suspeitas despertaram o interesse da Comissão Europeia, e a constatação é de que o crescimento da demanda global por ervas e especiarias ampliou a desonestidade nesse mercado como um todo. A investigação apontou amostras suspeitas de adulteração em 17% da pimenta analisada, 14% do cominho, 11% da cúrcuma e 11% do açafrão.

A cadeia de fornecimento de orégano é mais vulnerável – 48% das amostras eram suspeitas de adulteração, na maioria dos casos com folhas de oliveira. A maioria das amostras suspeitas continha material vegetal não declarado. Uma delas continha inclusive alto nível de cromato de chumbo.

A demanda por especiarias como o açafrão cresce com sua popularidade no setor de serviços alimentares, para uso em refeições prontas, com o interesse de consumidores por novos sabores e culinária étnica e com questões relacionadas à saúde. Impulsionados pelo desejo de apresentar “rótulos limpos” para atender a esses consumidores, empresas alimentícias procuram usar mais ingredientes naturais, em vez de aditivos químicos. A disposição do consumidor europeu de pagar mais por um produto natural mudou a dinâmica de vários mercados.

Além de seu uso como temperos culinários, as ervas e especiarias — ou seus extratos e óleos essenciais — são o principal ingrediente para muitos suplementos alimentares e produtos farmacêuticos de venda livre. O setor de aditivos alimentares também está se tornando lucrativo. E, nesse contexto, a Comissão Europeia questiona se a oferta disponível será capaz de cobrir a demanda.

O principal usuário de ervas e especiarias culinárias é a indústria de processamento de alimentos (cerca de 70%), seguido por varejo (15% a 25%) e serviços alimentícios (5% a 10%). Ocorre que as cadeias de fornecimento nas áreas de ervas e especiarias tendem a ser longas e complexas.

Podem passar por muitos países, oferecendo oportunidades para práticas fraudulentas e malfeitorias com riscos para a saúde pública (por exemplo, substituição de erva ou pimenta por um produto alergênico, e/ou realce de cor com corantes não autorizados). E o consumidor em geral é incapaz de identificar o verdadeiro do falso.

Em 2019, as autoridades francesas investigaram “anomalias” no mercado doméstico de especiarias e encontraram irregularidades em 26,4% das 138 amostras de açafrão, cominho, cúrcuma, páprica/chilli, orégano e pimenta. Por sua vez, a Europol apoiou as autoridades espanholas a desbaratar uma quadrilha criminosa que misturava o açafrão real com ervas e produtos químicos para aumentar suas margens antes de exportá-lo. Foram identificados mais de 500 carregamentos desse açafrão adulterado, com um valor estimado de 10 milhões de euros.

O preço do açafrão subiu ainda mais com a recente tomada de poder pelos talibãs no Afeganistão, outro produtor. Há avanço da produção em países como França, Itália, Espanha, Grécia, Kosovo e Austrália. Mas as suspeitas na cadeia produtiva do tempero mais caro do mundo tendem a persistir.

Compartilhe esta notícia:

Voltar Todas de Você viu?

Canabidiol reduz tumor cerebral altamente agressivo e resistente a medicamentos
Turistas procuram cada vez mais viagens voltadas à cura mental com foco no equilíbrio, como meditação e contato com a natureza
Pode te interessar
Baixe o app da TV Pampa App Store Google Play