Sábado, 26 de outubro de 2024

Afastada das novelas, Lucélia Santos diz: “Assumi posição política convicta e o Brasil não tem envergadura para artistas assim”

Quem imagina Lucélia Santos, de 67 anos, e estrela das novelas e do cinema nas décadas de 1970 e 1980, no ostracismo, engana-se feio. Nos últimos dois anos, ela correu mais de 20 cidades com a peça Vozes da Floresta, que enfoca a luta do seringueiro Chico Mendes, assassinado em 1988, e, para o ano que vem, deve visitar outras 15 praças do Norte, Nordeste e de Minas Gerais. “Eu trabalho muito, ganho bem menos do que poderia, mas me considero rica porque satisfaço as minhas necessidades”, garante.

No intervalo desta circulação, a atriz volta aos palcos paulistanos com a obra de um dramaturgo que faz parte de sua história. Sob a direção de Helena Ignez, Lucélia estreou nessa sexta (25), no Teatro Anchieta – Sesc Consolação, o espetáculo Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues (1912-1980), o mesmo autor de Bonitinha, Mas Ordinária, Álbum de Família, Engraçadinha e A Serpente, textos celebrizados por ela nas telas. “Eu personifiquei as mocinhas criadas pelo Nelson que são diabólicas, o jogo entre as zonas escuras e iluminadas de cada mulher”, define. “Para interpretá-lo, não tem mistério, basta o ator emitir cada fala, respeitar vírgulas, pontos e preservar a sua escrita.”

Em Vestido de Noiva, Lucélia é Madame Clessi, uma mulher livre e sem pudores, que, no passado, foi vítima de feminicídio. No plano da alucinação, a cortesã serve de guia para Alaíde (interpretada por Djin Sganzerla), uma jovem em coma, que procura decifrar os segredos da relação do seu marido, Pedro (papel de Jiddu Pinheiro), com a irmã e rival, Lúcia (papel de Simone Spoladore). Clarisse Abujamra, Luciano Chirolli, Tuna Dwek, Michele Matalon, Luciana Fróes e Luiza Barros completam o elenco. “Estava mais que na hora de montar Nelson com uma equipe essencialmente feminina para acabar com esse ranço machista que as pessoas têm dele”, justifica.

Lucélia garante, porém, que a fidelidade está mantida e, no máximo, algumas personagens ganham óticas diferentes das exploradas nas inúmeras outras versões da peça. “A minha Clessi é uma mulher da terra, meio indígena, meio cigana, não tem nada daquela imagem da cortesã francesa de espartilho que fuma piteira”, explica. “Ela talvez até carregue uma faca escondida na liga porque, estando no Brasil, pode precisar se defender a qualquer momento.”

Conhecedora do universo rodrigueano, a atriz explora esse diálogo contemporâneo com a experiência de quem conheceu Nelson na intimidade. O dramaturgo se assumia como seu fã desde que ela despontou na televisão no papel-título da novela A Escrava Isaura (1976) e, na época das filmagens de Bonitinha, Mas Ordinária, em 1979, o contato se estreitou a ponto de a jovem intérprete frequentar a casa dele e receber bilhetes com orientações. “Meu telefone tocava na madrugada e ouvia aquela voz de trovão: ‘Minha cara, como é ficou a cena da curra?”, lembra. “Depois desse filme, me entendi como artista e não podia me contentar com as heroínas das novelas que, como dizia um amigo, viviam sob um lustre de cristal asséptico.”

Por uma década, de 1976 a 1986, Lucélia brilhou em oito novelas da Rede Globo e reconhece que teve a sorte de, na maioria das vezes, escolher os próprios personagens. “Eu saí da Escrava Isaura, me escalaram para a mocinha de Locomotivas, em 1977, e pedi para trocar pela vilã, até porque meu objetivo era contracenar com Walmor Chagas e Aracy Balabanian”, conta. Sinhá Moça, trama de época exibida em 1986, foi sua última novela na Globo – ela voltaria à emissora apenas para participar de uma temporada de Malhação, em 2001. A artista passou pela extinta Rede Manchete, SBT e Record, fez teatro e produziu e dirigiu documentários para o cinema. “Nem todo mundo fica sabendo o que faço porque não sou midiática, mas posso dizer que há 52 anos trabalho diariamente.”

Lucélia prefere não se aprofundar nas questões que envolvem o afastamento da Rede Globo e, como budista há 25 anos, acredita que o seu cancelamento na emissora pode estar associado a um karma. “Eu assumi uma posição política convicta, e o Brasil não tem envergadura para artistas com este perfil, porque todo mundo mistura tudo”, afirma, referindo-se às campanhas que abraçou e às batalhas ecológicas e a favor dos povos originários. “Eu me deprimi, me senti alijada, mas o budismo me deu condições de sustentar minhas escolhas mesmo na impermanência.”

Uma segurança inabalável de Lucélia é a de que não é qualquer um que pode ser ator. É preciso o equilíbrio entre a vocação e o talento, preparação contínua, devoção pela leitura. “Vamos começar do básico, um ator que não tem projeção vocal faltou à aula de teatro e se acostumou com as facilidades da televisão”, afirma ela, que batalhou para fazer Vestido de Noiva sem microfone, mas cedeu à maioria.

Mãe do ator Pedro Neschling, de 42 anos, que acabou de participar da novela Renascer, ela diz que sempre salientou ao único filho a importância de entender a arte como um ofício. O esforço de Lucélia deve se voltar agora para desmistificar a profissão para a neta, Carolina, de 7 anos, que mora em Portugal e fará sua estreia teatral nas próximas semanas em um musical. “Quando tinha 3 anos, vimos o filme da Frozen e, chegando em casa, Carolina se escondia atrás das cortinas e davas as falas das personagens Elsa e Anna”, conta Lucélia, mostrando que, pelo menos como avó, é igual a todas as outras. “A genética ali bomba forte e sempre soube disso.”

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