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Por Redação Rádio Pampa | 25 de novembro de 2022
Por muito tempo, vigorou no imaginário popular a ideia do brasileiro como “um povo alegre, festeiro, que dribla todas as dificuldades com o célebre jeitinho, um país feliz”, como dizia o escritor João Ubaldo Ribeiro em seu livro “Viva o povo brasileiro”, uma epopeia às avessas da realidade nacional.
As evidências que contrariavam esse estereótipo de país eram mais ou menos
deixadas de lado, enquanto persistia a exaltação de um temperamento bemhumorado, uma disposição favorável para enxergar o mundo imune às vicissitudes da vida. Não se dava muita atenção à saúde mental, mesmo tendo a Organização Mundial da Saúde (OMS) alertado há pelo menos cinco anos que o Brasil era o país com o maior índice de ansiosos do mundo (9,3%, ou 18 milhões de pessoas), e o terceiro em prevalência de depressivos (5,8%, ou 11 milhões), muito próximo dos Estados Unidos (5,9%).
Mais recentemente, protestos, preços altos para serviços ruins, desigualdade social, divisão política, reações exacerbadas nas redes sociais foram se acumulando e contribuindo para uma mudança de estado de ânimo. Tudo isso culminando com uma das maiores tragédias sanitárias já vividas neste país – a pandemia de covid, com quase 700 mil mortes e 35 milhões de casos conhecidos.
“Mesmo antes da pandemia, o Brasil já era um dos países com mais transtornos mentais”, confirma a psiquiatra Vanessa Favaro, diretora dos Ambulatórios do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. “As experiências traumáticas associadas à pandemia ou à morte de pessoas próximas, à mudança na rotina de trabalho ou nas relações afetivas, o isolamento, as perdas de renda e emprego, tudo isso representou mais situações de estresse e mais sofrimento psíquico.”
Fundada há 23 anos dentro do Instituto de Psiquiatria da USP, a Abrata (Associação Brasileira de Familiares e Portadores de Transtorno Afetivo) tem o objetivo de dar apoio mútuo e informação científica em grupos de pessoas com diagnóstico de transtornos de humor e suas famílias. Durante a pandemia, as reuniões dos grupos de apoio migraram para o mundo virtual. No online, passaram a receber gente de todo o Brasil e até do exterior.
“Percebemos nos relatos das pessoas um discurso de luto, de isolamento social, da falta do convívio familiar, do bate-papo do dia a dia, a troca do cafezinho, do abraço”, comenta a vice-presidente da entidade, Neila Campos. “A pandemia acelerou um processo de evidenciar a preocupação com os transtornos mentais no mundo contemporâneo, que a Organização Mundial da Saúde já sinalizava.”
A edição de 2021 da pesquisa Vigitel do Ministério da Saúde, divulgada em abril, trouxe pela primeira vez dados sobre a prevalência da doença no país. Segundo o levantamento, 11,3% dos brasileiros disseram ter recebido diagnóstico médico de depressão no ano anterior, o que correspondia a cerca de 23 milhões de pessoas, quase o dobro do número divulgado pela OMS em 2019, que indicava a existência de 11 milhões de brasileiros com depressão.
O levantamento baseou-se em ligações telefônicas para 9 mil pessoas e registrou um aumento de casos em todas as faixas etárias. As mulheres foram as que mais impulsionaram a alta (de 13,5% para 18,8%), com mais do que o dobro da prevalência registrada entre os homens (de 5,4% para 7,8%).
A OMS estima que no mundo cerca de 300 milhões de pessoas sofram de depressão. Mas esse número pode ser maior: a covid desencadeou um aumento de 25% nos casos de ansiedade e depressão, expondo como os governos estavam despreparados para lidar com o impacto na saúde mental e revelando uma escassez global crônica de recursos para lidar com esses problemas.
Em 2020, os governos em todo o mundo gastaram uma média de apenas 2% dos orçamentos gerais de saúde na área mental, sendo que os países de renda média baixa investiram menos de 1%. Em nota conjunta com a OIT (Organização Internacional do Trabalho), a OMS estima que 12 bilhões de dias de trabalho são perdidos anualmente devido à depressão e à ansiedade que custam à economia global quase US$ 1 trilhão. Além desses impactos, chama a atenção que, quando não tratada, a depressão aumenta o número de outras doenças e a mortalidade.
“Na América Latina e particularmente no Brasil, as questões de pouco
reconhecimento, preconceito, falta de estrutura de assistência para transtornos mentais, especialmente na população mais pobre e mais sofrida, têm dificultado a capacidade de resposta adequada a esses problemas”, afirma o psiquiatra Paulo Rossi Menezes, professor de medicina preventiva da Faculdade de Medicina da USP em Ribeirão Preto.