Segunda-feira, 30 de dezembro de 2024
Por Redação Rádio Pampa | 11 de dezembro de 2024
Minha avó era uma boomer. Quando eu era criança, ela me contava os desesperos da vida de uma também criança esfomeada no campo, tentando dormir para esquecer a dor no estômago vazio naquele pós-mundo de Hiroshima em que ela nasceu (1948). Melancolias que não melhoraram muito após a migração, na pré-adolescência, para a cidade, exceto pela quase eventual desnutrição da infância. Mas da narrativa não caía uma lágrima. Para ela, a vida era simples: dormir cedo, acordar cedo, casar-se cedo, ter filhos cedo, ser alheio às notícias do resto do mundo. Fazer o que se tinha de fazer bem-feito e ser feliz com a nova cristaleira ou aparador. E praticar a fé do Deus que proveria o resto, ainda que não precisasse de muito mais.
Nessa semana, ao ser contrariado por um motorista de aplicativo, um jovem o acusou falsamente de agressão aos berros: “o motorista ‘tá’ me agredindo aqui, socorro!”. Se não tivesse sido desmascarado pelas câmeras talvez teria reunido apoio popular para linchar o motorista tão inocente como Edmond Dantès. Tire-se a câmera do cenário todo e coloque-se, no lugar do vitimista, uma mulher dizendo que sofreu tentativa de estupro, e na história entraria um linchamento. Vídeos na internet multiplicam tipos jovens de ambos os sexos amargurados, sensíveis ao mesmo tempo que barulhentos, de gostos estéticos esquisitos e movimentos histéricos (lembre-se daquela moça que urrava e berrava “you’re in a gayborhood” para um senhor, sem ninguém ter-lhe feito nada). E a provocação é justa: por que nossos avós se esfomeavam e permaneciam rochosos e grande parte dos jovens de hoje – com todas as facilidades e comodidades recebidas pelas mudanças econômicas e jurídicas dos últimos cinquenta anos – são estátuas de sal fantasiadas de Ronald McDonald?
Deitar fora a metafísica e substituí-la por camisetas não parece, agora, uma boa ideia, não é, geração dos 60?! Mas não defendo atavismos. Mudanças das últimas décadas nos tiraram a fome, já não sofremos a vida dura no campo, um adolescente mais ou menos de periferia, hoje, tem acesso a mais facilidades que um rei teria há 2 séculos. O problema é que soberba, nossa geração sangra um sangue postiço que jorra das suas feridas não muito bem diagnosticadas. E o núcleo ideológico que nos constituiu – o cacoete mental ridículo de ruptura total com o passado – não nos deixa observá-lo quando convém.
Mas já atravessamos o Rubicão nisso tudo. Algumas pesquisas mostram que a nossa geração, embora a mais confortável, é a pior em tudo: pela primeira vez os filhos têm o Q.I. menor que o dos pais (Efeito Flynn e Michel Desmurget), a geração Nem-Nem (nem estuda, nem trabalha, nem procura emprego) está aí, a internet é a nova chupeta das crianças paridas pelos pais da geração 1990 a 2.000, a geração Z (nascidos de 1997 a 2012) é a mais deprimida, estressada e ansiosa da história (estudo da Vittude).
Não tenho pretensões ao antimodernismo ou ao reacionarismo chucro, mas a pergunta é justa: por que nós – Zês, Millennials, Alphas, nós que concluímos o longo processo de substituição da metafísica pelo sexo, somos a mais soturna geração de indivíduos que já viveu (pelo menos desde 1945) –? E não, não somos John, o Selvagem sociologicamente às avessas. Na trama de Admirável Mundo Novo (Aldous Huxley), o personagem vive a única pessoa profunda em um mundo estéril… isso vai isolando-o, a pouco e pouco, dos demais, até que se suicida. Mas nós temos grupos às largas. Principalmente na internet, não é? Nada que justifique alguma vontade de pendurar o pescoço na última grade do postigo do banheiro.
Os intelectuais e os privilegiados da geração Boomer cresceram pedindo progresso (sem saber para onde nem para que) e estampando camisetas: é proibido proibir; e parodiando os hippies dos 60 americanos: é proibido olhar para trás (ou você vira uma estátua de sal, como a mulher de Ló na destruição de Sodoma em Gênesis 19:26). Talvez os Zês, Millennials e Alphas descubram que não abandonaram Sodoma, mas o Paraíso, e envelheçam fazendo as malas para uma nova viagem sociológica.
Matheus Pitaméia – advogado