Segunda-feira, 23 de dezembro de 2024
Por Redação Rádio Pampa | 6 de junho de 2023
Astrud Gilberto tinha apenas 22 anos quando gravou, em 18 de março de 1963, a versão em inglês de “Garota de Ipanema”. Com a música composta por Tom Jobim, a cantora – que morreu, aos 83 anos, na madrugada desta terça-feira (6) – vendeu mais de cinco milhões de cópias e popularizou a bossa nova ao redor do mundo. O que deveria ser uma história edificante, no entanto, se tornou o triste caso de uma jovem tímida que foi explorada e manipulada por uma indústria musical dominada por homens e movida por “lobos que se fazem passar por ovelhas”, como a própria afirmou.
Natural de Salvador, a cantora surgiu na cena artística completamente por acaso. Ela estava no A&R Studios, em Manhattan, em Nova York, para acompanhar o marido João Gilberto. O celebrado violonista, que é considerado “pai da bossa nova”, estava gravando o álbum “Getz/Gilberto”, da Verve Records, ao lado do renomado saxofonista de jazz Stan Getz e do pianista Antonio Carlos Jobim.
Compositor de letras célebres como “Killing me softly with his song”, Norman Gimbel também estava presente no estúdio, onde foi discutido – pela primeira vez – quais palavras em inglês seriam mescladas ao português, na versão cantada por João Gilberto para “Garota de Ipanema”. Foi então que Astrud disse que sabia falar bem o inglês e se ofereceu, por que não?, para cantar em dueto. Deu no que deu.
Assim que os músicos ouviram a reprodução da faixa – embalada pela voz sedutora e sussurrante da baiana, algo que a fez ser indicada ao Grammy –, todos sabiam que tinham algo especial em mãos. Ficaram tão satisfeitos com a contribuição de Astrud Gilberto que a convidaram para cantar outra composição de Jobim, “Corcovado”.
Em entrevista concedida em 1964, para comentar o sucesso da música, Stan Getz afirmou: “Astrud Gilberto era apenas uma dona de casa na época, e eu a coloquei nesse disco porque eu queria ‘The girl from Ipanema’ cantada em inglês, o que o João não podia fazer. A música foi um sucesso, e isso se consagrou como um golpe de sorte para ela”.
Sem créditos
Astrud Gilberto não mereceu um único crédito na prensagem original do LP de vinil “Getz/Gilberto”. O disco foi um sucesso instantâneo, e logo após o lançamento – em março de 1964 – permaneceu nas paradas de álbuns da Billboard por 96 semanas, conquistando o quinto lugar do ranking. A obra ganhou quatro Grammys, incluindo a categoria Álbum do Ano. Faixa mais popular do LP, “The girl from Ipanema” se tornou, à época, a segunda música mais gravada na música popular mundialmente, atrás apenas de “Yesterday”, dos Beatles, e apresentada em dezenas de filmes e programas de TV, como “Os Simpsons” e “Os Sopranos”.
Taylor, Getz e os executivos da Verve perceberam o potencial da voz de Astrud. Em maio de 1964, eles lançaram uma versão mais curta de “The girl from Ipanema”, removendo os vocais masculinos da gravação original. “Olha, se você quer que as pessoas gastem seu dinheiro em alguma coisa, você precisa dar a elas um motivo para isso”, afirmou o produtor Creed Taylor à época.
Injustiça financeira
A dimensão da injustiça financeira fica clara no livro “Chega de saudade: a história e as histórias da Bossa Nova”, de Ruy Castro. O jornalista detalha que João Gilberto recebeu US$ 23 mil por seu trabalho no álbum. Getz ficou com a maior parte do dinheiro gerado pelo álbum, estimado em quase US$ 1 milhão. À época, o saxofonista lucrou tanto com o sucesso que comprou imediatamente uma mansão de 23 quartos em Irvington, em Nova York.
Quanto à pobre Astrud Gilberto, ela recebeu uma ninharia. A mulher “responsável pelo sucesso internacional do disco”, como indica Ruy Castro, ganhou apenas o que o sindicato dos músicos americanos pagava por uma noite de trabalho: US$ 120 (o equivalente hoje a pouco menos de R$ 600).