Quarta-feira, 20 de novembro de 2024
Por Redação Rádio Pampa | 8 de julho de 2023
Era 1956 e a cofundadora da Mattel e sua filha adolescente estavam diante de uma loja na Suíça, paralisadas pela vitrine: uma boneca de 30 centímetros com rabo de cavalo platinado, olhos muito maquiados e um biquinho nos lábios, sentada num balanço de corda.
Naqueles tempos, a boneca, um modelo de fabricação alemã comercializado com o nome Bild Lilli, era famosa naquela parte da Europa – geralmente considerada um brinquedo sexual ou um presente para homens.
Não está claro se Ruth Handler – executiva de negócios passando férias longe de sua casa, na Califórnia – sabia o que era Lilli. Nem mesmo os historiadores sabem ao certo onde ficava a loja em Lucerna: a famosa loja de brinquedos Franz Carl Weber, uma tabacaria ou um bar.
Independentemente disso, Lilli fez o que fora projetada para fazer: intrigou Handler, que levou a boneca de volta para casa e, três anos depois, apresentou sua sósia americanizada: Barbie.
Hoje, a Barbie é um dos brinquedos infantis mais famosos do mundo, claro. E também é interpretada por Margot Robbie em um live-action muito aguardado. Os trailers sugerem que o filme vai explorar temas existenciais ao longo de sua jornada da “Barbieland” para o “Mundo Real”. “Vocês já pensaram na morte?”, ela pergunta às amigas em certa cena.
Ela reflete até sobre sua sexualidade – ou a falta dela.
“Ela é uma boneca de plástico”, Robbie disse à Vogue numa entrevista. “Será que teria desejo sexual? Não, acho que não conseguiria… Ela é sexualizada. Mas nunca sexy”.
Fale isso para a Lili.
Origens picantes
A embaraçosa ancestral europeia da Barbie (nada mais americano que isso!) começou como um desenho lascivo, criado por e para homens. Lilli nasceu como uma personagem cômica do pós-guerra no Bild Zeitung, um jornal alemão de baixo escalão, M.G. Lord, autora de Forever Barbie: The Unauthorized Biography of a Real Doll [algo como “Para sempre Barbie: biografia não autorizada de uma boneca de verdade], disse ao Washington Post.
“Ela era uma caricatura pornográfica”, disse Lord.
A personagem ficou tão famosa na Alemanha que Lilli se transformou numa espécie de pin-up tridimensional. Um dos escritores dos primeiros comerciais da Barbie disse a Lord que os homens penduravam a boneca no espelho retrovisor do carro ou a levavam a bares, onde levantavam sua saia ou abaixavam suas calças. Era a ideia deles de humor.
Lilli era “aproveitadora, exibicionista e meio vadia”, disse Lord. Tinha moral frouxa, pouca inteligência e o corpo de uma garota do calendário, sempre aparecendo com pouca roupa.
A primeira história em quadrinhos de Lilli mostra a jovem pedindo a uma cartomante o endereço de um “homem alto, bonito e rico”, de acordo com a revista alemã Der Spiegel.
Em outra história, citada por Lord, Lilli aparece no apartamento de uma amiga escondendo o corpo nu com um jornal. A legenda diz: “Nós brigamos e ele pegou de volta todos os presentes que me deu”.
Lilli só começou a escapar do olhar masculino quando conheceu Handler.
Ela e sua filha Barbara voltaram para a Califórnia em 1956 com bonecas Lilli a tiracolo. Recibos da Biblioteca Schlesinger da Universidade de Harvard mostram que Handler comprou onze bonecas Lilli em 1956 e depois encomendou outra dúzia por correio aéreo. Barbara tinha uma boneca no quarto; Handler levou as outras para a Mattel – empresa de brinquedos que ela fundara com o marido, Elliot Handler, e Harold Matson em 1945.
Todas as bonecas mais populares da época – Raggedy Ann, por exemplo – pareciam crianças. Fazia tempo que Handler queria criar uma boneca adulta e cheia de detalhes para crianças, mas suas ideias sempre eram rejeitadas pelos colegas, na maioria homens, que lhe diziam que seria muito difícil fabricar algo assim.
“Eles ficavam horrorizados com a ideia… de fazer uma boneca com seios”, disse Handler a Lord no livro. Handler morreu em 2002.
Foi isso que deixara Handler paralisada na vitrine da loja na Suíça. “Na época, eu não sabia quem era Lilli”, ela disse a Lord. “Só vi um corpo em forma de adulto que vinha tentando descrever por anos”.
Mas, antes que a Lilli pudesse ser comercializada nos Estados Unidos, ela precisava de uma reformulação. Foi a primeira transformação da Barbie.
Nos anos seguintes, Handler e outros designers da Mattel relaxaram os lábios da boneca, suavizaram suas sobrancelhas, atualizaram seu plástico e embranqueceram sua pele. A certa altura, os mamilos e seios de um dos primeiros protótipos foram cuidadosamente lixados. Eles criaram também um guarda-roupa de alta costura delicado e cheio de detalhes.
A verdadeira transformação, porém, estava na personalidade da boneca. Com a ajuda de um pesquisador de mercado, a Mattel acabou com aquela fantasia masculina ligeiramente pornográfica – “a um salto alto de ser prostituta”, como disse Robin Gerber, autora de Barbie and Ruth – e criou a fashionista moderninha que conhecemos hoje.
A Mattel finalmente comprou todas as patentes e direitos autorais da Bild Lilli em 1964, completando a transformação da boneca.