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Por Redação Rádio Pampa | 20 de maio de 2022
O canabidiol ou simplesmente CBD, canabinóide presente na maconha que não tem efeito psicoativo, tem diversas propriedades medicinais. Um estudo feito por pesquisadores brasileiros mostra um novo potencial do composto: o combate às superbactérias. O trabalho, feito pelas Faculdades de Ciências Farmacêuticas (FCFRP) e de Medicina (FMRP), ambas da USP em Ribeirão Preto, em parceria com a UNESP de Araraquara e o Instituto Ramón y Cajal de Investigación Sanitaria da Espanha, demonstrou que a combinação do canabidiol com o antibiótico polimixina B é capaz de tratar superbactérias, até mesmo aquelas que não respondiam ao medicamento sozinho. Os resultados foram publicados na revista Scientific Reports, do grupo Nature.
“O canabidiol tem muitas propriedades, especialmente ansiolítica, antipsicótica, anti-inflamatória, analgésica e neuroprotetora. Já existiam indicativos sobre o efeito sobre bactérias. Mas a novidade é que teve ele teve impacto em superbactérias que não respondem a antibióticos e também teve efeito sobre algumas bactérias que não se sabia que tinha”, explica o psiquiatra José Alexandre Crippa, professor da FMRP, colaborador do estudo.
A resistência bacteriana é caracterizada pela capacidade das bactérias em resistir à ação dos antibióticos. O resultado é o aumento da dificuldade em tratar doenças infecciosas, causando um prolongamento da infeção, incapacidade e até morte. A Klebsiella pneumoniae é uma bactéria que pode causar infecções graves em pessoas hospitalizadas, como pneumonia, infecções no sangue e meningite. De acordo com os pesquisadores, a combinação do CBD com o medicamento se mostrou promissora até mesmo contra bactérias que também eram resistentes à polimixina B, antibiótico já utilizado nos hospitais para o tratamento de infecções hospitalares graves.
No novo estudo, eles descobriram que em conjunto com um remédio já usado contra essas bactérias, a polimixina B, o canabidiol tem efeito. “O mais interessante é que nós conseguimos provar que quem mata a bactéria é o canabidiool, mas o remédio desestabiliza essa membrana extra, o que permite que o CBD exerça a atividade antibacteriana”, diz Leonardo Neves de Andrade, professor da FCFRP-USP, biomédico e coordenador do estudo
O CBD sozinho também teve ação contra outras bactérias, como Staphylococcus, que pode causar de faringite e endocardite; Enterococcus, que pode afetar o aparelho digestivo e urinário; Streptococcus, que pode provocar faringite, escarlatina, febre reumática, até pneumonia e meningite; Micrococcus, que afeta o equilíbrio da microbiota da pele; Rhodococcus sp., relacionado com infecções respiratórias; Mycobacterium sp., Neisseria sp. e Moraxella sp., que podem causar infecções nas vias aéreas e sexualmente transmissíveis.
“Decidimos estudar o canabidiol frente quase todas as bactérias que causam infecções em humanos, coisas que não tinha sido feita antes, e tivemos resultados muito promissores”, diz Andrade.
Caminho para novos tratamentos
Para Crippa, os resultados indicam que, no futuro, o CBD pode ser adicionado a antibióticos já consagrados para melhor combate às bactérias. Além disso, seu efeito anti-inflamatório, neuroprotetor e antioxidante torna o CBD uma opção interessante para o tratamento de processos infecciosos que estão associados a processos inflamatórios que tem impacto no sistema nervoso central, como quadros de infecção generalizada ou meningite.
Vale ressaltar que o estudo foi feito diretamente com bactérias, em laboratório. A equipe da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP em Ribeirão Preto já está testando combinações do canabidiol com medicamentos diferentes e também contra outros micróbios. Segundo Andrade, o plano, no médio prazo, é iniciar os ensaios pré-clínicos, em animais, seguido dos testes clínicos em humanos.
Outro ponto importante é que o efeito antibacteriano observado em laboratório não ocorre no consumo recreativo da maconha. “Precisamos deixar claro que isso não significa, em hipótese alguma, que fumar maconha pode ter algum efeito protetor contra infecções bacterianas. Pelo contrário, a maconha pode piorar pneumonia, por exemplo”, alerta o psiquiatra.
Aumento do acesso à Cannabis medicinal no Brasil
O consumo de produtos importados à base de Cannabis medicinal no Brasil apresentou alta de 110% em 2021 em relação a 2020. Os dados são de um levantamento feito pela BRCANN, Associação Brasileira da Iindústria de Canabinoides, com informações da Anvisa.
Os fatores que contribuíram para esse aumento, segundo a BRCANN, incluem os investimentos das empresas do setor em educação médica continuada, novas autorizações sanitárias que permitiram a chegada de novos produtos nas farmácias e a evolução regulatória publicada em 2020, que tornou mais digital e menos burocrático o processo de importação para médicos e pacientes, dispensando a exigência de renovação.
No ano passado, foram concedidas 40.191 novas autorizações para importação destes produtos contra 19.150 em 2020, o que representa um crescimento de 21.041 mil em números absolutos. Ao todo, entre 2015 e 2021, a Anvisa concedeu 75.203 autorizações. Apesar do forte ritmo de crescimento, em especial nos últimos três anos, o acesso ao tratamento ainda é concentrado em alguns Estados.
Cinco unidades da federação – São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná e o Distrito Federal – somam 72,8% do total pedidos de autorização para importação de cannabis medicinal no país. As regiões Norte e Nordeste abrigam os Estados com menor concentração de pacientes, com número de autorizações por 100 mil habitantes.
A baixa oferta tem influenciado os pacientes a buscarem opções de produtos via importação diante da ampla variedade de formulações e preços. Mas o futuro do setor, segundo a BRCANN, está nas vendas nas farmácias.
Atualmente, pessoas físicas podem importar produtos derivados de Cannabis para tratamento médico. Para isso, é preciso solicitar uma autorização à Anvisa e apresentar uma prescrição do produto emitida por profissional legalmente habilitado. A autorização vale por dois anos.