Sábado, 04 de janeiro de 2025

Cateterismo no cérebro: Nova técnica que remove coágulos de um AVC pode salvar milhões de vida

Kris Walterson não se lembra exatamente como chegou ao banheiro, numa manhã de sexta-feira — apenas que assim que chegou lá, seus pés não o obedeceram mais. Ele se agachou e tentou levantá-los com as mãos antes de ir parar no chão. Ele não estava em pânico com o problema, nem mesmo nervoso. Mas, quando tentava se levantar, voltava a cair: batia com as costas na banheira, fazendo barulho com as portas dos armários. Ele não entendia por que suas pernas não funcionavam. Então tirou as meias felpudas que usava pensando que os pés descalços poderiam ter melhor tração no chão do banheiro. Isso também não funcionou.

Quando sua mãe saiu do quarto para investigar o barulho, ele tentou dizer a ela que não aguentava, que precisava da ajuda dela. Mas ele não conseguia fazê-la entender e, em vez de carregá-lo, ela ligou para a emergência. Depois que ele foi colocado em uma ambulância em sua casa em Calgary, no Canadá, um paramédico o avisou que logo ouviria as sirenes. O som é uma das últimas coisas que ele lembra daquela manhã.

Walterson, que tinha 60 anos, estava sofrendo um grave acidente vascular cerebral isquêmico – o tipo de AVC causado por um bloqueio, geralmente um coágulo de sangue, em um vaso sanguíneo do cérebro. A variedade isquêmica representa cerca de 85% de todos os acidentes vasculares cerebrais. O outro tipo, o derrame hemorrágico, é um agravamento isquêmico: enquanto um bloqueio impede o fluxo sanguíneo para partes do cérebro, privando-o de oxigênio, uma hemorragia significa que o sangue é liberado, fluindo quando e onde não deveria. Em ambos os casos, muito ou pouco sangue, o resultado é a morte rápida das células cerebrais afetadas.

Quando Walterson chegou ao Foothills Medical Center, um grande hospital em Calgary, ele foi levado às pressas para o departamento de imagem, onde tomografias confirmaram a existência e a localização do coágulo. Era uma oclusão M1, significando um bloqueio no primeiro e maior ramo de sua artéria cerebral média.

Se Walterson tivesse sofrido o derrame apenas alguns anos antes, ou no mesmo dia em outra parte do mundo, seu prognóstico teria sido totalmente diferente. Em vez disso, ele recebeu um tratamento desenvolvido recentemente, estabelecido em parte pela equipe de neurologia de Foothills: a chamada trombectomia endovascular ou EVT. Na sala de angiografia do hospital, um neurorradiologista, guiado por imagens de raios-X, perfurou a artéria femoral de Walterson na parte superior da coxa interna e enfiou um microcateter em seu corpo, em direção ao cérebro. O coágulo foi extraído de sua artéria cerebral média e retirado através da incisão em sua virilha. Assim, o fluxo sanguíneo foi restaurado e logo seus sintomas desapareceram.

Estudos recentes concluem que o EVT se mostrou muito eficaz especialmente para derrames em vasos de calibre grande, graves e que têm de ser tratados rapidamente, até 24 horas depois do ocorrido. O índice de sequelas com o tratamento é de 7%, três vezes inferior ao habitual.

Pouco mais de 24 horas depois, a memória de Walterson voltou, quando ele estava deitado em uma cama estreita na enfermaria. Ele tomou café da manhã e respondeu às perguntas dos médicos da equipe de AVC enquanto faziam suas rondas. Na tarde de domingo, ele conseguia andar pela enfermaria. Só na tarde de segunda-feira, enquanto se preparava para voltar para casa, ele perguntou à médica Kimia Ghavami, especialista em AVC, sobre o que tinha acontecido com ele na sexta, pois não conseguia se lembrar.

“Quando te conheci você estava completamente paralisado do lado esquerdo”, contou-lhe a médica.

Sem o EVT, Walterson provavelmente teria enfrentado um tratamento de várias semanas no hospital e vários meses de reabilitação — no melhor caso. No pior cenário, se tivesse sobrevivido, ele seria alimentado por um tubo, passando a viver imobilizado em uma cama e internado em uma instituição de cuidados de longo prazo.

O AVC mata anualmente cerca de seis milhões e meio de pessoas em todo o mundo. É a segunda causa mais comum de morte em todo o planeta. Além do número bruto de mortes, o AVC também é uma das principais causas globais de incapacidade – muitas vezes, deixa para trás os tipos de déficits graves que forçam os entes queridos a se tornarem cuidadores em tempo integral. AVCs ainda menores e menos graves estão associados ao aparecimento de demência e muitas outras complicações.

Dado esses números, não é exagero chamar o EVT de uma das inovações médicas mais importantes da última década, com o potencial de salvar milhões de vidas e meios de subsistência. Nos EUA são feitos cerca de 60 mil EVTs por ano. Mas estima-se que o número total de americanos que poderiam se beneficiar com o procedimento é pelo menos o dobro disso.

A técnica já existe no Brasil e é feita por enquanto apenas nos grandes hospitais privados. Estima-se que sejam realizados cerca de 350 procedimentos por mês no país, segundo dados da Sociedade Brasileira de Radiologia Intervencionista e Cirurgia Endovascular (Sobrice).

Esses desafios não atingem apenas o Brasil. Para um especialista qualificado, a extração do coágulo em si não é algo extramamente difícil – mas levar o paciente à mesa a tempo é um processo altamente complexo, uma série de etapas que exigem camadas de treinamento e repensar os protocolos que movimentam as pessoas dentro o sistema médico. O novo “tratamento milagroso” é a parte fácil. Oferecê-lo para as pessoas que precisam, em todo o mundo? Conseguir isso será milagroso.

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