Quarta-feira, 20 de novembro de 2024

China quer ser líder global em inteligência artificial até 2030 e aprofunda disputas com os Estados Unidos

Na corrida da inteligência artificial (ou IA), gigantes americanas como Microsoft, Nvidia e OpenAI definitivamente tomaram a dianteira. Mas isso não significa que o páreo pela liderança desse mercado já tenha ganhadores definidos. Do outro lado do mundo, a China acelera para tentar alcançar o objetivo ambicioso de liderar essa tecnologia até 2030.

Um plano de Estado para o setor, um enorme mercado consumidor, grandes bases de dados e a excelência científica estão entre as vantagens competitivas do gigante asiático. Para liderar em IA, porém, Pequim precisa driblar desafios como a dependência externa de chips e o atraso na criação dos chamados grandes modelos de linguagem (LLMs, pela sigla em inglês).

O cenário tem criado uma nova trincheira na longa e acirrada disputa comercial entre China e Estados Unidos, em uma espécie de Guerra Fria da IA, que envolve, por exemplo, bloqueios americanos para a venda de chips avançados ao país asiático.

“A China há muitos anos é tratada como a principal ameaça para a hegemonia americana. A inteligência artificial se torna uma das facetas dessa disputa”, resume a pesquisadora Luiza Nonato, doutora em Relações Internacionais pela USP.

Plano

A meta pública chinesa de alcançar a hegemonia em IA foi definida por Pequim em 2017, muito antes de o assunto se tornar estratégico para o restante do mundo, na esteira do rápido sucesso do ChatGPT.

O objetivo foi reafirmado pelo Partido Comunista Chinês (PCC) no Plano Quinquenal que traçou metas até 2025. O documento coloca a IA entre os sete domínios tecnológicos estratégicos para o crescimento socioeconômico da China.

Para desenvolvê-lo, o país estabelece que o orçamento nacional em pesquisa e desenvolvimento deve crescer 7% a cada ano até lá. A meta é que, com a ajuda da IA, a economia digital passe a representar 10% do PIB chinês.

“A China é um dos poucos países que não só entendeu a relevância da IA para seu próprio desenvolvimento como também planejou e já está executando, há quase uma década, esse plano para ser uma potência mundial na área”, destaca Luca Belli, professor da FGV Direito Rio e coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade da instituição.

Erros

Uma das principais vantagens competitivas chinesas é a formação científica. Em 2019, 29% dos pesquisadores de alto nível em IA, no mundo, eram chineses. Três anos depois, eles representam a metade da elite global que desenvolve a tecnologia, segundo o think thank MacroPolo.

Com investimento em formação de pessoas e um mercado de 1,5 bilhão de consumidores, a China tem se beneficiado de um ambiente fértil para testar e implementar novas tecnologias de IA em escala — desde sistemas públicos de reconhecimento facial até os carros autônomos que circulam nas grandes cidades do país.

A ambição chinesa para liderar a IA, no entanto, ainda enfrenta obstáculos. A dependência externa de semicondutores avançados, principalmente dos EUA e de seus aliados, é um dos principais.

Otaviano Canuto, membro sênior do Policy Center for the New South e ex-diretor executivo no Banco Mundial, diz que a batalha força a China a criar estratégias locais para ter independência externa em peças fundamentais para o mercado da inteligência artificial:

“Estamos vendo uma batalha tecnológica a céu aberto entre as grandes potências globais. E, nesse caso, a China vai precisar subir a escada por conta própria. Eles não vão poder pegar carona no resto do mundo.”

Essa é uma disputa que vem esquentando conforme avançam, em paralelo, o poder dos sistemas de IA e a demanda por semicondutores. Em outubro do ano passado, o presidente Joe Biden restringiu ainda mais as regras que barram a venda dos chips para a China, com limitações estratégicas àqueles usados nas IAs. Os bloqueios ao país começaram em 2022.

Em resposta, Pequim ampliou o investimento em pesquisa e desenvolvimento no setor. Para este ano, o país prepara o lançamento do seu maior fundo para financiar desenvolvimento de chips de ponta, no valor de US$ 27 bilhões, segundo revelou a Bloomberg no mês passado.

“Valores socialistas”

O modelo chinês de governança de IA é outra barreira para o país. Aprovada no ano passado, a regulação chinesa para as IAs generativas – aquelas que produzem textos e imagens a partir de comandos dos usuários – é simbólica desse entrave. O texto prevê aplicação de multa para empresas que criarem serviços que não estejam alinhados “aos valores fundamentais do socialismo”, de acordo com o documento.

A tentativa, no fim, é de controlar o tipo de conteúdo gerado por esses serviços, avalia Dora Kaufman, professora da Pós-Graduação de Tecnologias da Inteligência e Design Digital da PUC-SP:

“Foi aí, com a IA generativa, que a China perdeu o bonde. O rígido controle e regulamentação do partido comunista chinês desencorajaram a inovação e a experimentação. Ficou quase impossível competir com as alternativas americanas”.

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