Quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

Cidade, Política, Cidadania

Em boa parte do mundo, a cidade moderna nasceu como um lugar que amontoou gente. Durante a Revolução Industrial os centros urbanos recebiam hordas deslocadas do campo e as empilhavam em suas periferias.

O acúmulo sem planejamento trouxe problemas, sobretudo de mobilidade e saúde. No início do Século XX alguns lugares reverteram tal quadro, criaram bairros planejados distantes dos centros. Melhorou-se a vida das urbes.

O Brasil viveu o problema da migração desorganizada do interior para as cidades, sobretudo com a Ditadura de 64. Parte da violência que as metrópoles vivem, hoje, é decorrente de ausência de planejamento urbano.

As condições materiais e estéticas da cidade compõem as chances de o humano se desenvolver. Um lugar feio, violento, desconfortável, poluído, desarranjado limita as chances de crescimento pessoal e social.

A cidade é a pequena pátria. O ambiente citadino, constituído como nosso mundo real, nos constitui, entranha-se na nossa relação com a vida. Habita-se o País, mas vive-se concretamente na rua, na vizinhança, no lugar.

A vida citadina é assunto público determinante: oa Prefeitoa devia ser a autoridade mais considerada; oa Vereadora devia ser uma legisladora selecionadoa; oa Juiza devia compromissar-se com o lugar.

Oa Juiza é uma burocrata bem situadoa na máquina pública, mas passa pelo município sem qualquer compromisso com ele. Oa Vereadora, Deputadoa Municipal, restou com reputação por demais desprestigiada.

Oa Vereadora, todavia, é oa legisladora que incide diretamente sobre nossa família. Delea dependem muitas das regras do cotidiano, o traço do mapa urbano, a aprovação de planos e orçamentos do Executivo.

Mas oa Vereadora converteu-se, ou foi convertidoa, em intermediárioa de pequenos interesses, atravessadora de favores duvidosos. Se não cumpre essa sina, o geral da população oa interdita eleitoralmente.

Oa Prefeitoa é premidoa nesse meio: a população exige o imediato sem custos, mas a Prefeitura depende da verba recolhida no município, enviada para Brasília e retornada diminuída, com carimbos de uso obrigatório.

Pagamos impostos no município e sobre eles se decide em Brasília, lá longe da origem da tributação, com muito dinheiro sumindo nos descaminhos da corrupção. Oa Prefeitoa tem que ser uma políticoa hábil.

Políticoa hábil. Raro encontrar. Há que ser popular, administradora honestoa e competente, articuladoa desde o paço municipal até os órgãos governamentais na Capital Federal. Difícil reunir tantas qualidades.

Ademais, há o risco de se votar em discurso de marqueteiro ou em promessa vã. Oa candidatoa tem que ser bom de verdade, ou a cidade retrocede; o povo sofre e paga a conta. O reparo? Talvez quatro anos depois.

O “quatro anos depois” é tempo próximo, pois sempre é tempo de eleição, logo, tempo de engajamento em campanhas. Campanha é debate, participação, reuniões, comitês, escolha e apoio a candidatoas. Militância.

Parte do povo, contudo, espreita a ocasião para resolver questões pessoais: pedidos, favores. A parte corrupta do povo, que vende seu voto, desvirtua o resultado eleitoral. Sim, o político que compra é corrupto igual.

Muitoas doas que poderiam liderar o processo dão-se por enojadoas. Nojo, Houaiss: “repulsa por um fato ou comportamento vergonhoso, baixo, vil, sem ética”. Há motivos para asco, porém asco não é solução.

As coisas da vida em comum são cruciais. Não obstante, a maioria está entretida com assuntos privados. Os procedimentos públicos da realidade político-eleitoral que legitimam o poder, todavia, seguem seu curso.

Então, muito nos repetimos. Oas políticoas que cuidarão do nosso lugar, no geral, são mais do mesmo: muitas vezes, uns tipos despreparadoas em que a população vota por obrigação e depois esquece por desprezo.

Cobramos cidadania, mas não obramos a vida cidadã. Há uma intuição fugaz de ética, porém, não o protagonismo que materializa a República. Mas, ora, sem empenho anterior, inútil a posterior reclamação.

 

(Léo Rosa de Andrade – Doutor em Direito pela UFSC, Psicanalista e Jornalista – Instagram: @leorosadeandrade)

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