Sábado, 16 de novembro de 2024

Comissão da Câmara dos Deputados desenterra a proposta de proibição total do aborto no Brasil

Após o polêmico projeto de lei do aborto “sumir” na Câmara dos Deputados, a presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa, Caroline de Toni (PL-SC), desenterrou uma proposta de emenda constitucional (PEC) ainda mais radical sobre o assunto, apresentada em 2012 pelo então parlamentar Eduardo Cunha (MDB). O texto acaba com as exceções nas quais o procedimento é autorizado.

A bolsonarista catarinense pautou a iniciativa para a sessão do colegiado na última quarta-feira (13), tendo por base um relatório favorável ao texto de Cunha e que tem como relatora a deputada católica Chris Tonietto (PL-RJ). Na prática, a alteração proposta pela PEC, na prática, inviabilizaria o aborto em todo os casos.

Devido a um pedido de vista coletivo para maior tempo de análise, a CCJ acabou adiando a análise e votação da proposta. Para retornar à pauta, é necessário que sejam realizadas duas sessões deliberativas no plenário. O pedido de vista é regimental e fez parte da estratégia de deputados contrários ao texto, que atuaram para evitar o avanço da PEC na ocasião.

Na reunião, a relatora fez a leitura de seu parecer. Ela é vice-presidente da CCJ e coordena a “Frente Parlamentar Mista Contra o Aborto e em Defesa da Vida”. Em sessão tumultuada, deputados da base aliada do governo federal tentaram obstruir e adiar a análise da proposta, mas a comissão rejeitou um pedido de retirada de pauta da PEC.

Se for aprovado na Comissão, o texto ainda deverá ser analisado por uma comissão especial e, depois, ir ao plenário. Neste ano, um projeto que equipara a pena do aborto realizado após 22 semanas de gestação a de um homicídio simples teve o regime de urgência aprovado em 18 de junho pela Câmara.

O texto foi alvo de diversas críticas e o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), decidiu não pautar a matéria. Na ocasião, ele afirmou que nada no projeto iria “retroagir nos direitos já garantidos” e que o debate seria retomado no segundo semestre por meio de uma “comissão representativa”, que ainda não foi criada.

Detalhamento

A PEC foi protocolada por Eduardo Cunha em maio de 2012, menos de um mês depois do Supremo Tribunal Federal (STF) decidir descriminalizar a interrupção da gravidez quando é constatada, por meio de laudo médico, a anencefalia do feto.

No Brasil, o aborto é permitido quando há risco para a vida da gestante ou em casos de estupro, conforme determina o Código Penal. O STF também decidiu pela não criminalização em casos de anencefalia fetal, quando o feto tem ausência parcial do encéfalo e da calota craniana.

O autor afirma, na justificativa, que a PEC estende a inviolabilidade do direito à vida aos fetos e considera que a vida se inicia na concepção, e não no nascimento. O texto, no entanto, não detalha o que é considerado como “concepção”.

A proposta tem o apoio de integrantes da oposição contrários ao aborto. No parecer, Chris Tonietto afirma que não há “incompatibilidades entre a alteração que se pretende realizar e os demais princípios e regras fundamentais que alicerçam a Constituição vigente e nosso ordenamento jurídico”.

Deputados contra a proposta apelidaram o texto de “PEC do estupro” e afirmaram que o texto é uma “sentença de morte” para mulheres. Congressistas da base aliada do governo negaram serem a favor do aborto, mas defenderam que os casos já permitidos em lei no Brasil sejam mantidos. Integrantes da oposição, por outro lado, reforçaram argumentos em prol do direito à vida e contra o aborto.

Conforme a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), que é médica por formação, a aprovação da PEC poderia afetar a realização de procedimentos de fertilização “in vitro” e de pesquisas embrionárias com células-tronco. Para ela, o debate da proposta representa um retrocesso:

“A vida desde a concepção, repito, impede o aborto legal, em caso inclusive que a mãe tenha risco de vida. Impede a interrupção pela violência sexual. Eu entendo que alguns aqui até achem que criança pode ser mãe e estuprador pode ser pai. Eu estou fora dessa linha”.

Filha do autor da proposta, a deputada Dani Cunha (União-RJ) negou que o texto atrapalhe a realização de procedimentos de fertilização: “Tenho meus óvulos congelados devido à minha dificuldade para engravidar e vou realizar uma inseminação. A PEC não está aqui para atrapalhar a ciência, ela trata apenas do conceito de que a vida começa após a concepção, que pode ser realizada por métodos científicos no ser humano ou concebida naturalmente”.

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