Segunda-feira, 23 de dezembro de 2024
Por Redação Rádio Pampa | 30 de março de 2023
Casos de extrema violência como o da última segunda-feira (27), em que um estudante de 13 anos matou uma professora a facadas e feriu outras três, além de dois alunos, em São Paulo, têm crescido no país. Segundo um levantamento de pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp), foram mais de um ataque por mês em escolas brasileiras desde agosto do ano passado – contra apenas 13 registros nos 20 anos anteriores.
Os episódios repercutem em âmbito nacional e comovem desde os mais novos até os mais idosos. Mas qual o impacto para o psicológico dos adolescentes, faixa etária envolvida na maioria dos acontecimentos, em perceber que um ambiente frequentado por eles diariamente tem se tornado cenário de ataques?
“Atendo muitos adolescentes e tem sido pauta nas consultas nesta semana, do medo e ansiedade de frequentar aulas, de acontecer uma situação semelhante. É um caso que pode despertar gatilhos novos. É importante acolher esse medo, as dúvidas, abrir espaço para uma conversa. O adolescente já é bastante recluso de um modo geral, então esse espaço para eles se colocarem é necessário, até para entender quando é necessário pedir ajuda”, diz a psicóloga de crianças e adolescentes Nathália Brandão, especialista da plataforma materna Baby Concierge.
Guilherme V. Polanczyk, professor da Universidade de São Paulo (USP) e vice-presidente da Associação Internacional de Psiquiatria da Infância e Adolescência, explica que esse impacto varia de acordo com as características do jovem, e é acentuado justamente entre aqueles que já sofrem com queixas de ansiedade.
“É uma situação traumática, muito próxima deles e que eles podem se identificar facilmente. É algo real, que “comprova” eventualmente que as ameaças que existem no mundo são reais e que podem atingi-los. E é isso que uma pessoa com ansiedade vive, ameaças em diferentes contextos e situações do dia a dia que eles temem que possam acontecer de fato”, diz o especialista.
A preocupação é importante especialmente devido à alta taxa de jovens que vivem com ansiedade no Brasil. Um monitoramento coordenado por Polanczyk desde 2020, publicado no ano passado, acompanhou quase seis mil adolescentes e identificou que cerca de 36% relatavam sintomas de ansiedade ou depressão.
Outras formas de violência
A psicóloga clínica Ilana Pinsky, pesquisadora da Fiocruz e autora do livro “Saúde Emocional: como não pirar em tempos instáveis”, afirma ainda que o tema é importante pois essa violência que impacta o psicológico dos jovens não é restrita aos casos mais extremos, como o mais recente.
“No Brasil, existe uma violência que as crianças estão expostas no dia a dia, e os casos nas escolas estão inseridos nesse panorama. E é algo muito relevante para a construção e a forma como as crianças e os adolescentes se veem no mundo. Existem muitos estudos mostrando que esse impacto não só existe, como é importante. Um problema é quando os jovens começam a normalizar essa violência, como se fosse algo habitual que acontece e sobre o qual não se há controle”, diz a especialista.
Uma pesquisa realizada no início de 2021 na região metropolitana de São Paulo pelo Comitê Paulista pela Prevenção de Homicídios na Adolescência constatou que oito em cada dez jovens de 12 a 19 anos já viram ao menos uma situação de alguma forma de violência em escolas.
“O efeito emocional desses eventos tende a ser maior também a depender do quão mais próximas as crianças estão do caso em si. Mas tem outros fatores que são importantes, como o quanto de experiências anteriores eles já sofreram por conta de violência. Se eles vivem em uma família que já é violenta, ou numa comunidade violenta, o impacto costuma ser maior”, afirma Ilana.
Um dos erros é comparar a capacidade de os adolescentes lidarem com situações adversas aos adultos, o que não é verdade. “Se para nós adultos já é difícil às vezes lidar com as emoções, imagina para os adolescentes que estão num momento de amadurecer emocionalmente? E a ansiedade já é algo bem característico da adolescência, então é normal que eles não saibam lidar com as emoções”, pontua Nathalia.
Orientações para os pais
Evitar a massificação dos ataques não é fingir que o assunto não existe, especialmente para pais com filhos adolescentes e profissionais das escolas, complementa o especialista. Encarar o medo gerado a partir do caso é algo importante, desde que seja feito com responsabilidade.
“É muito importante que tanto a família quanto a escola conheçam as características das crianças e a partir disso entenda quais são as melhores intervenções. Se tenho alguém que é mais ansioso, que está com muito medo, vou precisar de um tipo de abordagem diferente, que envolva explicar por que isso aconteceu e o que pode ser feito para que não se repita, para tranquilizá-lo. Se eu tenho um adolescente com maior perfil de rejeição, de agressividade, preciso enfatizar a gravidade da situação”, afirma.