Segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

Como é a vida dos brasileiros que usam a Starlink, a “internet de Elon Musk”

Em 2017, o consultor Arthur Cursino trocou São Paulo por Tapiraí (SP), município na região de Sorocaba. A busca pela vida tranquila, porém, não lhe permitia ter uma conexão de internet de qualidade, fazendo Cursino depender dos limites de velocidade e planos de dados de uma conexão 4G. Em setembro de 2022, porém, a vida mudou quando ele passou a usar a Starlink, serviço de internet via satélite de Elon Musk.

Ele não está sozinho: disponível há pouco mais de um ano no Brasil, a Starlink tem angariado clientes pelo País, especialmente em áreas rurais ou remotas, onde a fibra ótica não chega e o 5G é uma miragem. No caso de Arthur, o salto foi significativo: “Com a Starlink, eu consigo velocidade de 150 Mpbs (megabits por segundo) a 300 Mpbs. No 4G, era 10 vezes menos. Dava para tocar a vida, mas se eu fazia videochamadas, meu filho não podia ver YouTube ao mesmo tempo”, conta.

Isso tem preço: quando a Starlink chegou ao Brasil, era preciso pagar cerca de R$ 5 mil pela antena e mensalidade de R$ 500. Hoje, os valores estão em R$ 3,2 mil e R$ 295, respectivamente. Ainda assim, é um valor competitivo para quem precisa de conexão rural: na região de Arthur, por exemplo, o plano mais barato da principal empresa de internet via satélite do País, a Hughes, sai por R$ 189 mensais. O serviço, porém, tem limitação de franquia de dados (20 GB) e velocidade máxima de 10 Mpbs, bem inferior à de Musk.

Ajuda vira negócio

Graças a um vídeo no canal, a Starlink é mais do que conexão de internet para Cursino: virou negócio. Desde setembro, ele já ajudou mais de 200 pessoas a conseguir uma antena da empresa, cobrando de R$ 160 a R$ 450 pela ajuda técnica.

O mercado de Cursino existe porque conseguir uma antena ou mesmo obter uma resposta da Starlink é tarefa difícil: enquanto o envio do hardware não raro demora dois meses, o suporte (feito a partir dos EUA) pode demorar até uma semana para retornar um pedido de atendimento via telefone 0800.

Aqui no Brasil, a companhia de Elon Musk está representada na Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) pela Starlink Brazil Holding Ltda, uma empresa que tem a Starlink da Holanda como “sócio domiciliado no exterior” e o empresário Vitor James Urner como administrador. Procurado pelo Estadão, Urner afirma ser só “o representante legal para a abertura da empresa no Brasil”, diz desconhecer os planos da companhia e não ter autorização para falar pela Starlink. A reportagem tentou contato com a empresa e funcionários de sua área de comunicação nos EUA, mas não obteve resposta.

Grupo de apoio

Diante das dificuldades, é natural que as pessoas se unam em comunidades. No Facebook, o grupo Starlink Brasil reúne 1,3 mil usuários e interessados na empresa. Ali, eles trocam dicas sobre o funcionamento da tecnologia, compartilham experiências, além de, claro, dividir a ansiedade pela espera por uma antena – por aqui, a operação logística da Starlink é terceirizada pela operadora DHL, a partir de um armazém sediado em Louveira (SP).

Morador de Sorocaba (SP), o engenheiro Antonio Spadim, 38, é um dos membros mais ativos do grupo, sempre solícito em ajudar os novatos a superar as mensagens em inglês e os menus confusos de site e app da empresa. Usuário da Starlink desde novembro, ele não precisa da antena, pois vive em uma área coberta por fibra ótica. “Comprei por curiosidade mesmo, mas também para auxiliar alguns clientes que estão em áreas remotas”, diz ele.

Satélites em baixa órbita

A maioria dos serviços de internet via satélite disponíveis no Brasil utilizam satélites geoestacionários, normalmente posicionados a 36 mil km de altura da superfície da Terra. Com mais de 1 milhão de assinantes no mundo todo, a Starlink utiliza uma rede de satélites de baixa órbita, posicionados a cerca de 500 km do chão.

“Para enviar informações, todo sinal tem que ir até o satélite e voltar até a Terra. Por mais que esse sinal viaje próximo à velocidade da luz, é muito diferente trafegar por mil ou 72 mil quilômetros, o que faz a Starlink ter um tempo menor de latência”, explica Márcio Mathias, professor de Engenharia na área de Microondas e Antenas de Propagação da FEI. “É uma experiência de usuário bem melhor que outros serviços via satélite”, define Luciano Saboia, diretor de telecomunicações da IDC Brasil.

Essa vantagem tem um porém: a diferença de altura também faz com que a área de cobertura de um único satélite de baixa órbita seja bem menor que a de um satélite geoestacionário. Não à toa, a empresa de Musk já colocou cerca de 3,6 mil satélites no ar. Mesmo assim, está longe de varrer todo o planeta – Ásia e África, por exemplo, têm menos de 10% de seu território coberto. É algo que, além de difícil, pesa no bolso.

“Custa caro lançar e desenvolver satélites, exige mão de obra especializada e um planejamento gigantesco”, diz Saboia. A questão é que a Starlink tem dois trunfos na mão: ela é uma subsidiária da SpaceX, que possui não só a capacidade de investimento do homem mais rico do mundo como dono, mas também a capacidade de fazer os lançamentos de satélite a preço de custo.

Outra diferença entre a internet via satélite tradicional e a Starlink está na “flexibilidade” da antena. Enquanto o aparelho receptor de sinal de um satélite geoestacionário não pode se mexer após ser regulado, o mesmo não se pode dizer do hardware da empresa de Elon Musk: com ajuda de geolocalização, a antena é capaz de se inclinar para buscar a melhor órbita possível dentro da rede de satélites – e essa habilidade é o que explica porque o experimento de Spadim funcionou, ainda que a empresa diga que sua antena padrão não foi feita para uso em movimento.

“Nos últimos 30 anos, conectamos 50% dos habitantes da Terra que eram mais fáceis de conectar: gente com dinheiro e em centros urbanos. A Starlink é interessante porque, mesmo priorizando países mais ricos, consegue alcançar quem estava fora desse radar”, diz Luca Belli, professor da FGV Direito Rio.

Ainda assim, é bom que se diga: a Starlink dificilmente será uma competidora à altura para fibra ótica. Isso porque, depois de “subir e descer”, o sinal de informações trafega de maneira convencional – e por melhor que seja a latência de um satélite de baixa órbita, ela ainda não é páreo para as redes de fibra disponíveis em grandes centros urbanos.

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