Segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

Como um suplemento alimentar colocou um homem de 50 anos na fila do transplante de fígado

Era para ser um dos dias mais felizes da vida de Jim McCants. Mas ele tem sentimentos contraditórios quando se lembra da formatura do filho mais novo. Ao sentar ao lado da esposa, Cathleen, no auditório da escola, perto de Dallas, no Texas, nos Estados Unidos, veio o susto.

“Ela me perguntou: ‘Você está se sentindo bem?’”, conta Jim. “Eu disse: ‘Sim, estou bem, por quê?’” “‘Teu rosto está amarelo, teus olhos estão amarelos, você parece muito mal’, ela respondeu.” “Quando olhei no espelho, levei um choque.”

Foi chocante, em parte, porque Jim, na época com 50 anos, estava se esforçando para adotar um estilo de vida mais saudável e perder peso, cuidando da alimentação e praticando exercícios físicos regularmente.

“Meu pai enfartou aos 59 anos e não sobreviveu”, diz. “Ele deixou de viver vários momentos com a gente e eu estava determinado a fazer de tudo para me cuidar da melhor maneira possível, para não perder nada.”

Mas, logo após a formatura do filho, Jim foi internado com suspeita de lesão hepática.

Investigando o problema

Na tentativa de identificar a causa da lesão, os médicos descartaram imediatamente o álcool.

“Nos últimos 30 anos, talvez eu tenha tomado seis latas de cerveja por ano, nada de vinho. Então, o álcool não estava muito presente na minha vida”, conta Jim McCants.

Também afastaram a hipótese de ter sido provocada por algum medicamento – ele não estava tomando nenhum na época – ou por cigarro, uma vez que ele nunca foi fumante.

“Então, meu hepatologista perguntou: ‘E suplementos sem receita?’.”

Como parte do seu projeto saúde na meia-idade, Jim começou a tomar um suplemento de chá verde – ele tinha ouvido dizer que ajudava na prevenção de doenças cardíacas.

A popularidade destes suplementos tem crescido. Eles são vendidos na internet e anunciados como produtos com benefícios antioxidantes, suposta capacidade de ajudar a perder peso e prevenir o câncer.

“Eu me sentia bem”, lembra Jim, que mora em Prosper, no norte de Dallas. “Andava ou corria de 30 a 60 minutos, durante cinco ou seis dias por semana.”

Ele trabalhava como gerente de finanças, mas queria mudar de profissão e estava fazendo um treinamento para ser médico assistente. “Eu estudava duas ou três disciplinas à noite e nos fins de semana”, relembra.

O pior dos cenários

Jim estava tomando o suplemento de chá verde havia dois ou três meses quando ficou doente. De acordo com o prontuário, essa é a causa presumida de sua lesão no fígado.

“Foi chocante porque eu só tinha ouvido falar sobre os benefícios. Nunca soube de nenhum problema”, completa.

Após ser internado, Jim ficou aguardando os resultados de uma série de exames para determinar a gravidade da lesão.

Assim, cerca de três semanas após sua esposa perceber que ele não estava bem, uma das médicas deu a notícia que ele temia: “Você precisa de um transplante de fígado. Tem que ser rápido. Você tem dias – nem uma semana .”

“Tudo isso parecia muito sombrio para mim. E ficou cristalizado o que é realmente importante na vida. Eu não estava pensando em projetos do trabalho. E sim em várias pessoas que eram importantes para mim por razões diferentes.”

Por que o suplemento de chá verde pode ser prejudicial, em determinadas doses, para algumas pessoas?

Os cientistas não sabem ao certo. Como o chá verde é consumido há milhares de anos, os suplementos – que são sua forma concentrada – são regulamentados nos EUA e na Europa como alimentos, e não medicamentos.

Isso significa que não são necessários testes de segurança específicos e, portanto, a perspectiva científica de como podem afetar nossa saúde é inconclusiva.

“Se você toma quantidades pequenas de chá verde, não tem problema”, diz o professor Herbert Bonkovsky, diretor de cuidados com o fígado da Escola de Medicina da Universidade Wake Forest, na Carolina do Norte, que acompanha lesões relacionadas a suplementos de chá verde há quase 20 anos.

A preocupação gira em torno de um ingrediente potencialmente tóxico chamado epigalocatequina-3-galato (EGCG), composto natural com propriedades antioxidantes mais abundante no chá verde, as catequinas.

É provável que haja uma série de fatores que podem deixar um indivíduo suscetível às ameaças do EGCG, incluindo a genética, e a forma como os suplementos são usados.

“Normalmente, as pessoas tomam esses extratos de chá verde para tentar perder peso, então, muitas vezes estão sem comer”, explica Bonkovsky.

“Nós sabemos, a partir de estudos realizados com animais, que animais em jejum absorvem um percentual muito maior de catequina do que animais bem alimentados. Pode haver outros fatores relacionados a medicamentos, outros produtos químicos e consumo de álcool, que também são importantes fatores de alteração.”

No dia seguinte em que foi informado sobre a necessidade do transplante, Jim recebeu a notícia de que haviam encontrado um doador. “Fiquei radiante. O telefonema me deu esperança de que haveria algo positivo no fim de tudo”, diz ele.

O transplante de fígado salvou a vida de Jim. Mas, quatro anos depois, ele ainda tem sérios problemas de saúde, incluindo uma doença renal que pode demandar hemodiálise e um transplante no futuro.

Ele consulta o hepatologista e o nefrologista duas vezes por ano e convive com uma dor abdominal crônica.

“Minha vida antes era muito ativa. Agora é bem mais sedentária e luto contra a fadiga”, conta. É uma “tremenda bênção”, nas palavras dele, que seus chefes o autorizem a trabalhar de casa.

“Às vezes eu preciso deitar por 20 ou 30 minutos durante o dia. Apenas aviso meu gerente para ele saber que vou ficar offline, e depois eu volto.”

Jim está processando a empresa americana Vitacost, que vende o suplemento de chá verde que ele tomava. “Espero que eles tomem a decisão de colocar uma advertência bem grande no rótulo do produto e no site, para que as pessoas saibam antes de comprá-lo”, diz ele.

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