Segunda-feira, 23 de dezembro de 2024
Por Redação Rádio Pampa | 27 de abril de 2023
O caso da remissão de um câncer de próstata avançado em um paciente tratado com uma tecnologia desenvolvida por um médico brasileiro viralizou nas redes. O americano Scott Miller recebeu, aos 66 anos de idade, o diagnóstico de câncer de próstata metastático em estágio IV, com uma expectativa de apenas quatro meses de vida.
Após seis meses de tratamento com a tecnologia BTT para indução de proteínas de choque térmico por meio de hipertermia guiada pelo cérebro, atingiu a remissão completa dos tumores espalhados em diversos órgãos. De acordo com o relato, foram necessárias cinco induções como tratamento, ao longo de seis meses. Não foram relatados efeitos colaterais e o paciente não realizou nenhum tratamento adicional para combater o câncer.
O relato de caso foi apresentado no 38º Congresso Anual da Sociedade de Thermal Medicine, realizado entre os dias 24 e 27 de abril, na cidade de San Diego, nos Estados Unidos, pelo médico brasileiro Marc Abreu, que desenvolveu essa tecnologia.
Entretanto, especialistas ouvidos pelo GLOBO pedem cautela e afirmam que o método ainda precisa ser submetido a estudos clínicos rigorosos para afirmar que é eficaz no tratamento de câncer.
“Quando você faz um tratamento novo em um paciente e parece que esse tratamento funcionou, isso gera apenas uma hipótese que precisa ser comprovada cientificamente. Só um relato de caso não é suficiente para comprovar a eficácia de um tratamento porque o paciente pode ter entrado em remissão por outras causas, como um processo imunológico de seu próprio organismo. Isso já aconteceu na literatura”, diz o radio-oncologista Robson Ferrigno, da Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBRT) e coordenador de Radioterapia da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo.
Em posicionamento enviado ao GLOBO, a Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), afirma que “todo tratamento inovador que tenha, a princípio, resultados alentadores, deve ser analisado em estudos de longo prazo e com maior número de pacientes observados com toda a ética e os cuidados necessários para comprovação de segurança e efetividade”.
Para um novo tratamento ser aprovado por agências reguladoras, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a FDA, dos Estados Unidos, ele precisa ser submetido a três fases de testes clínicos. A primeira é realizada em animais. A segunda avalia a segurança do procedimento em humanos. Já a terceira, que busca avaliar a segurança e eficácia, compara a nova terapia com o tratamento padrão-ouro disponível para aquela doença.
“Nesse caso, precisaríamos pegar pacientes com câncer de próstata metastático e dividi-los em dois grupos. Um deles seria tratado com BTT e o outro, com bloqueador de hormônio, que é o tratamento padrão utilizado nesse caso. Por que muitos pacientes, mesmo com câncer metastático entram em remissão com o bloqueador de hormônio. Se no final do estudo, o BTT for superior ao tratamento padrão, é possível afirmar que esse é um tratamento efetivo para a doença. Até que isso aconteça, é apenas uma formulação de hipótese”, explica Ferrigno.
O tratamento realizado no paciente americano é chamado BTT, que consiste na indução de proteínas de choque térmico por meio de aumento da temperatura, de maneira controlada, pelo cérebro. É a mesma tecnologia à qual a atriz Claudia Rodrigues pretendia recorrer para o tratamento da esclerose múltipla.
“A modalidade é a mesma que usamos no tratamento de doenças neurológicas, mas a receita é diferente”, explica o médico Marc Abreu, em comunicado.
Entretanto, também não há evidências da eficácia do método -cujo custo pode ultrapassar dois milhões de reais – para doenças neurológicas. Em comunicado emitido em dezembro de 2021, a Academia Brasileira de Neurologia afirma: “a técnica não tem qualquer sustentação científica”.
O procedimento foi desenvolvido pelo médico brasileiro Marc Abreu após ele ter identificado uma área perto dos olhos que chamou de “túnel térmico cerebral”, capaz de facilitar a medição da temperatura do cérebro, durante um pós-doutorado em oftalmologia na Universidade de Yale, nos Estados Unidos, em 2007.
A descoberta levou à criação do sistema Abreu BTT 700, um equipamento que funciona como um termômetro. O aparelho recebeu o aval da agência reguladora dos Estados Unidos, a Food and Drug Administration (FDA), para essa finalidade: monitorar a temperatura cerebral durante procedimentos cirúrgicos e outros cuidados médicos.
Porém, depois, Abreu fundou a BTT Corp, uma empresa que promete utilizar o método para tratamento de uma série de doenças, “com potencial de ajudar milhões de pessoas afetadas com doenças neurológicas e pacientes com câncer”, segundo diz em nota. De forma não invasiva, com uma espécie de capacete, o aparelho seria capaz de, entre outras funções, induzir proteínas chamadas de choque térmico na região que, em tese, ajudariam a restaurar processos do cérebro danificados pelas doenças.
No caso da esclerose múltipla, a empresa diz que os benefícios são devido a um procedimento de hipotermia para esfriar o cérebro, o que ajudaria a ativar células que produzem a mielina, estrutura que protege os neurônios e que é danificada na esclerose múltipla. No caso do câncer, o comunicado não traz uma explicação sobre o mecanismo de ação do tratamento.
Abreu diz apenas que “a redução de expressão da proteína de choque térmico está associada com câncer, doenças neurológicas e o envelhecimento. Para o tratamento de câncer, além da mudança da carga termodinâmica, utilizamos frequências diferentes durante a indução com o objetivo de atuar em áreas distintas”.
Para Ferrigno, não existe base científica que justifique o uso deste tratamento contra o câncer. “Não tem nenhuma base de estudos em animais e de laboratório que mostraram que estimular determinadas células no cérebro, vai ter uma ação sobre uma célula cancerígena”, ressalta o médico.