Quarta-feira, 13 de novembro de 2024

“Dezembrite”: ficar triste no fim do ano é normal? Especialistas dizem que sim

Assis Valente é o autor da mais bela canção de Natal de todos os tempos. A mais bela e a mais triste também. “Eu pensei que todo mundo fosse filho de Papai Noel…”, diz um trecho da letra. Assis Valente compôs Boas Festas na tarde do dia 24 de dezembro de 1932. À época, o compositor baiano, então com 24 anos, ganhava a vida no Rio de Janeiro fazendo próteses dentárias. Quando sobrava tempo, compunha sambas e marchinhas.

A inspiração, conta o escritor Gonçalo Júnior na biografia Quem Samba Tem Alegria, veio do quadro de uma bailarina na parede do quarto de pensão onde ele morava em Niterói (RJ). Com saudade de casa, o sambista pegou uma folha em branco e começou a rabiscar os primeiros versos: “Anoiteceu / O sino gemeu / E a gente ficou / Feliz a rezar…”. De feliz, porém, a canção não tem nada: “Já faz tempo que eu pedi / Mas o meu Papai Noel não vem / Com certeza, já morreu / Ou, então, felicidade / É brinquedo que não tem”.

Boas Festas foi gravada em 1933 pelo cantor Carlos Galhardo e regravada ao longo dos anos por grandes nomes da MPB, como João Gilberto, Caetano Veloso, Maria Bethânia, Simone, Ivan Lins e Zeca Baleiro, entre outros.

Sentir-se triste no Natal, como Assis Valente em 1932, é mais do que normal. É o que garantem os especialistas em saúde mental. “A data representa o fim de um ciclo e todo fim de ciclo gera tristeza”, afirma a neuropsicóloga Jô Alvim. “Nesta época, as pessoas gostam de fazer um balanço do ano que passou. O problema é que, na maioria das vezes, elas pensam mais nos projetos que não realizaram do que naqueles que conquistaram. Para piorar, alguns familiares não estarão presentes. Morreram, mudaram de cidade ou, no caso dos filhos, se casaram e vão comemorar com a família do cônjuge”.

No Brasil, a síndrome de fim de ano já ganhou até apelido: dezembrite, fusão da palavra “dezembro” com o sufixo “ite”, que significa inflamação aguda ou crônica. A dezembrite ainda não faz parte do Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM, na sigla em inglês), a “Bíblia da psiquiatria”, muito menos da Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID), cartilha que engloba quase 55 mil códigos, entre sintomas, lesões e anomalias.

Mas, já existem estudos, no Brasil e no exterior, que ajudam a entender o tamanho do problema. Uma pesquisa da ISMA-BR, associação internacional que estuda a prevenção e o tratamento do estresse, revela que 75% das pessoas se sentem estressadas e irritadas nesta época do ano. Entre outros sintomas, os entrevistados relataram tensão (80%), ansiedade (70%) e insônia (38%). O estudo ouviu 678 participantes de 25 a 55 anos.

“No Natal, a expectativa é que todos estejam felizes. Mas, o que fazer se muitos não têm o que comemorar?”, indaga a psicóloga Ana Maria Rossi, presidente da ISMA-BR. “Por um lado, bate tristeza porque eles pensam em suas perdas afetivas e financeiras. Por outro, rola culpa porque não conseguiram realizar tudo o que queriam. Enquanto os otimistas tendem a avaliar o que deu errado na vida deles e fazem correções de percurso, os pessimistas limitam-se a pensar que nada dá certo mesmo e que a vida é extremamente injusta”.

Holyday Blues

O fenômeno não se restringe ao Brasil. Nos EUA, a síndrome de fim de ano é conhecida por outro nome: Holiday Blues (“Tristeza do Feriado”, em tradução livre). No hemisfério norte, o baixo astral é agravado pelo clima frio. Um estudo da Associação Americana do Coração (AHA, na sigla em inglês) adverte: o Natal e o Réveillon podem impactar negativamente a saúde de quem não curte o período de festas. Seis em cada dez americanos acham o feriado mais estressante do que o trabalho.

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