Sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

Dinossauros, aviões e taxa de juros

Um único evento catastrófico encerrou a longa jornada dos dinossauros na terra. Não havia como prever… não havia como se prevenir. Um iceberg, perdido numa noite gelada do Atlântico Norte, afundou o inexpugnável Titanic, tragédia que, diferente da sorte que tiveram os dinossauros, poderia ter sido evitada, apesar dos esforços desesperados do oficial William Murdoch. Aviões, por seu turno, raramente despencam dos céus por uma única falha. É a conjugação de vários fatores, incluindo contingências externas, que podem levar uma aeronave ao colapso. Já na economia, uma ciência social, sujeita como poucas ao viés humano, a equação se torna ainda mais complexa, como podemos observar agora quando o nível da taxa de juros praticada pelo Bacen se encontra no centro do debate nacional e suscita as mais diversas receitas para evitar a debacle.

De um lado, perfilam-se aqueles que criticam fervorosamente a atual política da Autoridade Monetária, buscando demonstrar os estragos que os juros reais de 8% acima da inflação provocam no conjunto da economia. Os argumentos são robustos, e também comoventes, considerando que mais de 70 milhões de brasileiros estão endividados, premidos por juros aviltantes, o que torna a vida ainda mais difícil e incerta. Juros altos também inibem novos investimentos, afetam o nível de emprego e atingem em cheio a lucratividade das empresas, formando uma espiral sinistra que pode jogar o País numa recessão que ninguém deseja. Nesta semana, a defesa por juros menores ganhou importante reforço, quando o prêmio Nobel Joseph Stiglitz, professor de Columbia – EUA, foi enfático ao afirmar que “o juro praticado no Brasil é chocante” e equivale à “pena de morte para a economia”. Descontado eventual arroubo retórico do emérito intelectual, os sinais emitidos pela economia nacional nos últimos meses não lhe tiram totalmente a razão do alarme.

Na outra ponta, pesquisa encomendada pela Genial/Quaest, vai em sentido contrário, quando 98% dos executivos de mercado ouvidos discordam do direcionamento dado pelo atual governo na condução dos rumos da economia brasileira. Para esses, também fazendo reparos a sua natural inclinação para políticas ortodoxas, é inegável afirmar que as intenções, por melhores que sejam, precisam estar ancoradas na racionalidade econômica, sob pena de terem o mesmo destino que práticas populistas de outrora lograram, quando até bois foram laçados no campo, na ânsia de sobrepujar, no caso com certa excentricidade, as leis de mercado. Esse pragmatismo monetário, no qual o zelo pelo poder de compra da moeda é mandatório, guarda pouco espaço para experimentos, cujos resultados geralmente têm sido o contrário do que se espera, a julgar pelas experiências mundo afora, inclusive muitos deles próximos de nós, como é o caso da renitente Argentina, na qual o fracasso econômico recorrente não tem sido um bom professor.

As variáveis presentes na celeuma dos juros no Brasil não são nada animadoras, e assim como numa sequência de eventos, erros e omissões que põem ao chão a mais poderosa aeronave e naufraga o mais portentoso navio, nossa economia também está sob risco. A impaciência e quase desespero do Governo tem fundamento, uma vez que a combinação da atual taxa Selic com o endividamento brutal das famílias brasileiras pode se converter na receita para o desastre. A continuarem, por mais alguns meses, os atuais níveis de juros, poderemos assistir à insolvência de parte significativa da população, além da volta do desemprego em larga escala. As empresas, de outra parte, terão cada vez maiores dificuldades para acomodar os atuais juros em seus balanços, já que repassar a conta para seus clientes será cada vez mais difícil. Como horizonte possível, embora difícil, terá que haver a confluência do desafio social com o fiscal, não a simples revogação de um deles, para que possamos contornar esse verdadeiro iceberg que se converteu a atual taxa de juros que ameaça colocar nosso grande transatlântico a pique.

 

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