Segunda-feira, 25 de novembro de 2024

“É impossível adolescentes terem sono saudável com escola às 7h”, diz neurocientista

Em julho do ano passado, entrou em vigor no estado da Califórnia, nos Estados Unidos, a primeira lei do país que obriga as escolas a começarem apenas a partir das 8h30 para os estudantes do Ensino Médio. A mudança foi embasada em um estudo que mostra como as mudanças biológicas da puberdade afetam o sono e, consequentemente, o desempenho escolar.

A adaptação dos horários escolares para adolescentes, especialmente em lugares como o Brasil, cujas aulas podem começar até 7h, é uma discussão que cresce no mundo, impulsionada pelo apelo de cientistas. Um dos nomes brasileiros que fazem coro ao discurso é o neurocientista Fernando Louzada.

Doutor em Neurociências e Comportamento pela Universidade de São Paulo (USP), o pesquisador atualmente coordena o Laboratório de Cronobiologia Humana da Universidade Federal do Paraná (UFPR), de onde também é professor, e participa da Rede Nacional de Ciência para Educação (Rede CpE) e do Núcleo Ciência pela Infância (NCPI).

Em entrevista, Louzada cita experiências nacionais que mostram os benefícios de se adiar em ao menos uma hora o começo das aulas, explica que adolescentes sofrem de uma tendência natural a atrasar o momento de dormir e esclarece que a faixa etária demanda uma quantidade maior de horas de sono, que não é alcançada com o modelo de ensino atual.

1-Quanto de sono os adolescentes precisam e de que forma o horário das aulas escolares no Ensino Médio brasileiro, que começam geralmente às 7h, interferem nessa dinâmica?

Os adolescentes precisam de mais sono do que os adultos, em média de nove horas. Só que existe um fenômeno nessa idade chamado de atraso de fase do sono, que é uma tendência natural e universal a atrasar os horários de dormir e, consequentemente, de acordar também. Por isso, verificamos que a maioria dos adolescentes, principalmente nos grandes centros urbanos, dormem bem menos que isso durante os dias letivos.

A equação é bem simples. Se as aulas começam às 7h, e muitos precisam acordar às 6h para chegar a tempo, seria necessário dormir às 21h. Mas é muito difícil pensar em adolescentes, com a tendência ao atraso do sono, dormirem nesse horário. Por isso, não há como um horário de início das aulas às 7h preservar o sono necessário dos adolescentes, o que levou muitos países a implementarem um horário mais tarde, e temos discutido muito isso aqui no Brasil.

2-Como saber que o atraso de fase do sono é algo inerente ao adolescente, e não resultado de hábitos que prejudicam o descanso, como excesso de telas?

Sempre recebemos essa pergunta, se o fenômeno é biológico, ou seja, está mais incorporado à espécie humana, ou se é cultural, influenciado pelos hábitos e pela cultura. Nós temos estudado isso de diversas maneiras. Uma delas, foi estudando comunidades rurais, populações sem acesso a energia elétrica, no Brasil e em outros países, e observamos que essa tendência é universal, presente em todos os adolescentes avaliados independentemente do local. Mas é claro que o ambiente urbano, o acesso às tecnologias, televisão, videogame, computador, tudo isso exacerba o atraso, porque só o estímulo luminoso sozinho já é capaz de aumentar a tendência a adiar o sono.

3-E por que conseguir um sono adequado é tão importante, especialmente durante essa fase da vida?

O sono é muito importante para vários aspectos da saúde, como manter a integridade do sistema imunológico, atuar no controle do metabolismo energético, preservar a cognição e o funcionamento cerebral. Por isso, ficar longos tempos privados de sono favorecem o ganho de peso, o desenvolvimento de doenças metabólicas, como diabetes tipo 2, além de problemas cardiovasculares e neurodegenerativos.

Além disso, mexe muito com a regulação emocional. Quando não dormimos, ficamos com maior impulsividade, maior irritabilidade, menor resiliência para enfrentar as situações difíceis. E se pensarmos que a adolescência já é uma faixa etária muito exposta a transtornos psiquiátricos, essa preocupação com sono deve ser ainda maior, pois o cérebro ainda está em formação.

E o que temos de mais recente é o papel do sono para a consolidação das nossas experiências depois do aprendizado. Ao dormir, o cérebro permanece ativo e essa atividade está a serviço dessa formação de memórias, o que impacta diretamente no desempenho escolar.

4-Você explica que o horário das aulas às 7h reduz o sono dos jovens, mas se as aulas começassem mais tarde, não seria o caso de apenas adiarem o sono também?

Existe toda essa discussão, mas diversos estudos já mostraram que não é bem assim. Mesmo que o adolescente atrase um pouquinho o horário de dormir, não supera o ganho do horário de acordar, o saldo é na maioria das vezes positivo. Mas claro que essa medida não pode ocorrer de forma isolada, precisa vir junto com medidas de educação sobre o sono, como para as pessoas evitarem estímulos à noite. Mas sem o atraso dos horários escolares não é possível atingir essa meta, que é possibilitar aos alunos que durmam o que precisam.

5- Qual seria, na sua visão, a melhor solução?

O que defendemos não é uma medida imediata obrigando as escolas a começarem às 8h30 como solução. Antes disso, precisamos de conscientização, convencer as pessoas, os gestores, os familiares e os próprios estudantes sobre a importância do sono e dos benefícios de eventuais mudanças. É um processo, porque isso tem um impacto na vida dos pais, dos professores, da dinâmica nas escolas. Mas quando as pessoas estão sensibilizadas sobre o tema, fica mais fácil discutirmos essas medidas e as melhores maneiras de ajustarmos todos os fatores envolvidos.

Particularmente, acho que a flexibilidade de horários é o melhor. Possivelmente ter escolas em que turmas diferentes começam em horários diferentes, que utilizem a tecnologia como uma aliada nesse processo, são opções que podem ser discutidas.

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