Sexta-feira, 20 de setembro de 2024

“Esse vírus já surpreendeu muitas vezes”, diz brasileiros que identificou a variante ômicron

Durante a pandemia de covid, os olhos do mundo se voltaram duas vezes para a África do Sul. Foi lá que cientistas identificaram a variante Beta do Sars-Cov-2, em dezembro de 2020, e, quase um ano depois, alertaram a Organização Mundial da Saúde (OMS) do crescimento vertiginoso da ômicron.

Por trás dessas descobertas, estava um brasileiro de leves escorregões no sotaque: o pesquisador Tulio de Oliveira. À frente da vigilância genômica do KRISP, laboratório ligado à Universidade de KwaZulu-Natal, o bioinformático acredita que o cruzamento de dados de saúde fará a diferença nas próximas epidemias.

Nascido em Brasília, Tulio mora no país africano desde 1997, quando sua mãe foi trabalhar lá. Foi onde ele aprofundou seus estudos de bioinformática, ramo que usa ferramentas de dados para compreender dados biológicos.

Os dotes de rastreador de vírus renderam a ele não apenas os créditos da identificação de duas variantes de preocupação (VOC, em inglês) do coronavírus. Motivou também sua inclusão em duas listas de prestígio em 2022, a dos dez cientistas de renome da revista científica Nature e das cem pessoas mais influentes do mundo da Time.

Em entrevista durante uma passagem pelo Brasil, o pesquisador falou sobre as variantes que provocam novos surtos de covid atualmente, e antecipou os próximos passos da pandemia. Ele também defendeu que a varíola dos macacos seja monitorada de perto para não incorrermos outra vez em velhos erros.

1) Devemos nos preocupar com a atual onda de covid?

A BA.4 e a BA.5 estão dominando as infecções no mundo porque conseguem driblar a imunidade e reinfectar pessoas que foram vacinadas ou infectadas com outras linhagens. Mas é uma nova onda que começou com hospitais e UTIs vazias. São principalmente casos de reinfecção, por isso não estamos vendo tantas mortes na África do Sul. O mesmo resultado, transmissão alta de BA.5 e poucas mortes, também foi visto em Portugal.

2) Você acredita que a pandemia não voltará a recrudescer com as próximas cepas?

Essa é a pergunta que todos fazem e a verdade é que a gente não sabe. O fato é que, como vieram a BA.4 e a BA.5, outras linhagens vão aparecer. E esse vírus já nos surpreendeu muitas vezes. É muito difícil prever a agressividade das variantes. Não esperávamos que a população precisaria de um reforço, que chegaríamos a uma quarta dose para a população mais idosa.

Descobrimos, por exemplo, que a proteção é mais efetiva quando misturamos vacinas diferentes. E que a resposta imune é a melhor se você é vacinado um mês depois de uma infecção. Mas sabemos que a taxa de imunidade maior da população fará diferença nas próximas ondas.

3) O Brasil estava especialmente despreparado para a pandemia?

Infelizmente, a pandemia foi um descontrole em todos os lugares. O Brasil errou mas também teve acertos. Começou a vacinar muito mais rápido que a África do Sul, apesar de tudo. Conseguiu bons resultados na colaboração do Butantan com a Coronavac e a Fiocruz com a AstraZeneca. Mas o mundo inteiro estava despreparado.

4) E como estamos em termos de pesquisa genética? Avançamos com essa experiência?

O Brasil está bem desenvolvido na parte da pesquisa genômica. Avançou muito nas epidemias de zika, chikungunya e febre amarela. O principal problema na pandemia foi que o País não conseguiu montar uma rede organizada para conectar os dados de diferentes núcleos de pesquisa. Foi o que a África do Sul e a Inglaterra fizeram e por isso conseguiram se sobressair nesse campo. Como a covid é uma infecção muito transmissível, essa rede precisa atuar de forma muito rápida. No meu departamento a gente produz dados toda semana, dias após a coleta de amostras, e manda relatórios para o governo.

5) O que aprendemos com a pandemia para evitar outros eventos do gênero?

O ser humano tem a característica de cometer os mesmos erros, esquecer o que aconteceu e não trabalhar com a prevenção. Estamos vendo agora o crescimento de casos de varíola dos macacos, incidência grande de dengue, alta da chikungunya. À medida que nossos ambientes são destruídos e a população se adensa, é esperado que outros vírus pulem para humanos. Nós não conseguimos prevenir epidemias, mas pandemias são preveníveis.

6) Você concorda com a visão de que o vírus monkeypox (da varíola dos macacos) é mais controlável por ter mutações mais lentas?

As pessoas falam a mesma coisa do coronavírus, que não muta muito. A varíola dos macacos sofreu mais de 50 mutações que separam as epidemias antigas da atual. O vírus dá sinais de que se adaptou ao hospedeiro humano, ajustou seu comportamento para ser mais transmissível. Os vírus de DNA em geral evoluem mesmo mais devagar. Mas também é preciso ter cuidado e monitoramento.

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