Quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

Gananciosos

Pesquisadores da área de gestão, particularmente aqueles com interesse em estudos organizacionais sobre ética, vem há tempos alertando para uma disfuncionalidade na política de incentivos nas grandes corporações. Com o foco em resultados cada vez mais a curto prazo, conciliar uma efetiva política ESG tem sido um exercício bastante desafiador para gestores cada vez mais assoberbados. Parece que o desafio de equilibrar recompensas justas para os CEOs e garantir segurança para os investidores ainda está longe de uma equação saudável. Sustentabilidade do meio ambiente, responsabilidade social e governança corporativa deveriam andar juntas, de forma harmônica, resultando em maior garantia para os investidores ou demais stakeholders. Contudo, a premência por lucros quase que a qualquer custo, tem colocado bastante pressão sobre os controles internos das organizações, cada vez maiores e mais complexas, e de cujo sucesso dependem milhões de pessoas. O colapso espetacular da Americanas, ocorrido neste início de 2023, além de atingir em cheio o mercado de capitais, colocou em dúvida os atuais mecanismos de “compliance”, particularmente aquele exercido por grandes empresas de auditoria, incapazes de detectar o que agora se configura como um dos maiores escândalos financeiros do País e que sinaliza ter na avareza dos dirigentes implicados um dos seus defeitos originais.

Desde os tempos bíblicos, a ganância é reconhecida como um dos principiais vícios humanos, mas assumiu uma repercussão muita mais dramática a partir da moderna sociedade. Antes confinada a um desvio moral, em linha oposta à generosidade, a avareza revela um apego excessivo aos bens materiais, muitas vezes redundando em ruína moral e até financeira, mas jamais comparável aos efeitos secundários tais quais os gigantescos prejuízos para terceiros que atualmente uma gestão corporativa viciada pode ocasionar. O preço da ganância no mundo dos negócios não mais se circunscreve, portanto, ao comportamento individual de alguém, mas potencializou e disseminou o risco em largo espectro, dado que a propriedade das empresas passou por uma pulverização antes inexistente. Hoje, os altos executivos detém poderes que impactam o destino de milhões, devendo haver, assim, especial zelo por parte das autoridades reguladoras e de todo o ecossistema envolvendo auditorias, bancos e a mídia para refrear ímpetos mais indômitos do espírito animal capitalista. Mas tais cuidados de “accountability” podem se revelar insuficientes, dado o aumento da complexidade que envolve as grandes corporações, bem como as inclinações humanas ao vício. A realidade que experimentamos demanda cuidados e preocupações que extrapolam a questão legal e adentram ao terreno da responsabilização moral social, de sorte a confrontar os gestores que aderirem cegamente aos propósitos corporativos, sem considerar os anseios da comunidade, ao ônus da própria consciência. Uma sociedade informada e bem articulada dispensa leis draconianas, mas não pode abrir mão de sua dimensão ética. Fugir à lei, mas não à consciência, nos abre um olhar ético para que tratemos a responsabilidade moral dos gestores de um ponto de vista não apenas coercitivo, mas que transcende a questão da responsabilidade utilitária, cujo maior veneno tem sido muitos gestores servirem a si mesmos, muitas vezes em detrimento da própria organização e todo o seu entorno social.

Apesar de seus defeitos bem conhecidos, o capitalismo ainda é a forma mais racional de alocação de capital e geração de riquezas. Seria precipitado supor que todo o edifício ruiu por conta de um problema localizado, mas é inegável que são perturbadores os sinais de disfuncionalidades crescentes nos mecanismos de prevenção e controle dos órgãos reguladores junto às grandes corporações. Apesar de longo, o caminho para maior responsabilização social moral, além das punições legais, pode ensejar um maior nível de consciência ética, conjugada com o aprimoramento da regulação legal e de “accountability”, com as três esferas convergindo, sem se confundir.

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