Sábado, 28 de dezembro de 2024

Jovens da geração Z elegem os anos 2000 como referência estética e cultural

Quando Victória Baffini nasceu, em 2004, o filme “Meninas malvadas” estava sendo lançado, Avril Lavigne hitava com “My happy ending” e Paris Hilton era um ícone fashion com calças de cintura baixa, brilho e muito rosa. Dezoito anos depois, tudo isso voltou para a vida de Victória graças a um resgate dos anos 2000 e a incorporação completa de elementos daquela década pela geração Z (os nativos digitais, nascidos entre 1996 e 2010).

A estética está em tudo: na moda, nos cabelos, em maquiagens, acessórios, filmes e música — estudos mostram aumento pela procura por canções de catálogo, especialmente pela geração Z. Até a câmera digital estilo Cybershot voltou a fazer sucesso. Só no TikTok, as hastags “y2k” (anos 2000) e “Y2KAesthetic” (estética anos 2000) somam 11,3 bilhões de visualizações. Victória acha que a internet e as redes sociais têm participação direta nesse processo.

“Acho que a minha geração acaba por roubar pequenas coisas de diferentes épocas para montar sua própria estética. Além disso, a gente perdeu algumas partes da adolescência com a entrada das redes sociais nas nossas vidas e essa volta para os anos 2000 vem da vontade de viver essa fase vista e admirada por nós em diversos filmes e séries que amamos”, diz a estudante, citando como exemplos “Meninas malvadas”, “Diário de uma princesa”, “High School Musical” e “Uma sexta-feira muito louca”.

Para pesquisadores, o movimento pode ser explicado por alguns motivos. O primeiro é o “ciclo dos 20 anos”, conceito muito usado na moda e no design que diz que, a cada 20 anos, tendências se repetem com uma nova roupagem. Depois, vem a sensação de nostalgia e descoberta e, por fim, a tentativa de fuga da realidade. A head de pesquisa no Grupo Consumoteca, Marina Roale, acredita que características da geração Z como ansiedade podem contribuir também para o resgate do passado.

“Esta é uma geração muito melancólica com muitas questões de saúde mental. Eles são poucos otimistas em relação ao mundo, ao futuro. Só que lidam com isso com deboche, então põem um glitter no rosto, no corpo, e estão coloridos por fora. E aí vem uma onda de anos 2000 que entrega tudo isso”, diz Marina.

Pandemia e TikTok

O resgate de uma década não é exclusividade dos anos 2000 e muito menos foi inventado pela geração Z. A mudança talvez seja na forma como isso tem sido feito e a proporção que a tal estética ganhou. Pontos cruciais para entender o fenômeno são a pandemia e o TikTok, diz Adriana Amaral, coordenadora do Laboratório de Pesquisa em Cultura Pop, Comunicação e Tecnologias (CultPop) da Unip.

Enquanto o mundo estava em isolamento social, era necessária uma válvula de escape, o que levou à popularização da plataforma chinesa de vídeos curtos, que, por sua vez, passou a ditar o comportamento de grande parte dos jovens com as trends (quando um assunto se torna tão viral que vira uma tendência). Uma delas foram os anos 2000 e praticamente qualquer referência a eles: trechos de cenas de filmes, tutoriais de penteados de cabelo e maquiagem e músicas são exemplos. Bandas como Simple Plan e Paramore foram resgatadas e tiveram renovação de fãs graças ao TikTok.

“Quando uma hashtag tem bilhões de visualizações, quer dizer que aquele conteúdo deu certo. É uma reação em cadeia, vai chegando em cada vez mais pessoas, mais criadores vão usando esse conteúdo, e assim vai se espalhando pela plataforma. Não existe uma fórmula para tornar um conteúdo viral, somos uma plataforma extremamente democrática e o número de seguidores não dita o número de usuários que seu conteúdo vai atingir”, diz o head de parcerias de conteúdo do TikTok Brasil, Ronaldo Marques.

Bombardeados então por conteúdo quase 24 horas por dia, com referências e possibilidades diversas, os nativos digitais entram em um conflito de identidade. O estudo “Geração Ctrl Z”, realizado este ano pelo Consumoteca com jovens de Brasil, Argentina, México e Colômbia, mostrou que 58% dos entrevistados procuram sempre ser diferentes e autênticos.

Um dos pontos levantados por Marina Roale, portanto, é: como essa geração pode ser original se eles nasceram e foram inseridos em um contexto digital, onde tudo parece já ter sido criado? Aí que entra a busca por referências e adaptação delas para o momento atual. Logo, mesmo que os nativos digitais sintam, sim, uma nostalgia com relação ao passado, quando as coisas eram mais simples (afinal, a maioria deles era criança), o resgate de uma década, nesse caso, passa a ser uma descoberta, uma novidade, diferentemente do que acontece com os millennials (nascidos entre 1981 e 1995), que de fato viveram os anos 2000 e voltam a ele por saudade, opina Marina:

“A Giovanna Ewbank (atriz de 36 anos) deu uma festa de aniversário com o tema anos 2000. Quando ela faz uma festa dessa, com certeza é pela nostalgia, para matar a saudade da adolescência dela. E é interessante perceber que ela é millenial e boa parte dos convidados também era, e vendo as fotos dá para entender que eles estão usando roupas e elementos dos anos 2000 como fantasia e o Z não faz isso. Eles usam no dia a dia. Para eles não é fantasia, é uma estética que eles estão experimentando.”

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