Sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Luta com atleta intersexo no boxe vira alvo de polêmica; entenda o que diz o regulamento e quem pode competir nos jogos de Paris

Atletas transgênero e intersexo ainda enfrentam um cenário de incerteza em grandes eventos esportivos, como os Jogos Olímpicos de Paris. O caso da boxeadora argelina Imane Khelif está no centro dessa polêmica.

Ela venceu a luta contra a italiana Angela Carini na última quinta-feira (1º). Carini, que desistiu do combate após 46 segundos de luta, explicou que o abandono não teve nada a ver com a situação envolvendo a adversária. Mesmo assim, as boxeadoras foram alvo de fake news que afirmavam que Carini havia deixado a luta porque a adversária seria uma atleta transgênero.

Em nota, o Comitê Olímpico Internacional (COI) afirmou que “toda pessoa tem o direito de praticar esportes sem discriminação”, afirmou que “as duas atletas têm participado em competições internacionais de boxe por muitos anos na categoria feminina” e classificou como “enganosas” publicações questionando a legitimidade de Khelif.

Imane Khelif não é transgênero. Khelif se identifica como mulher e cresceu como mulher. De acordo com o presidente da Associação Internacional de Boxe (IBA), Umar Kremlev, exames feitos pela associação mostraram que a atleta teria cromossomos XY (normalmente associados ao sexo masculino), o que a classificaria como pessoa intersexo. Apesar disso, Khelif nunca falou publicamente sobre o caso.

Pessoas intersexo são aquelas que nasceram com alguma variação hormonal que não se encaixa nas normas médicas para corpos do sexo feminino ou masculino. Antigamente, era utilizado o termo “hermafrodita”, que, além não estar correto do ponto de vista biológico, é considerado ofensivo.

Algumas pessoas com a condição têm órgãos genitais femininos, mas têm cromossomos sexuais XY e níveis de testosterona no sangue compatíveis com o corpo masculino. É o caso, por exemplo, da corredora sul-africana Caster Semenya, que foi impedida de disputar as olimpíadas de Tóquio em 2021.

Khelif estava liberada para competir? O que define se atletas com variações intersexuais podem ou não participar de competições esportivas são as normas das federações de cada modalidade esportiva. A Associação Internacional de Boxe (IBA), por exemplo, tem regras mais rígidas, que impediriam atletas com cromossomos XY de competir em eventos femininos. Apesar disso, Imane Khelif pôde competir porque a IBA foi banida pelo COI em 2023.

A primeira atleta trans a participar de uma competição olímpica na categoria de gênero com a qual se identifica foi a neozelandesa Laurel Hubbard, no levantamento de peso, em Tóquio. No mesmo ano, a seleção feminina de futebol canadense tinha na equipe Quinn, atleta que teve autorização para continuar no futebol feminino mesmo após se declarar uma pessoa transgênero e não binária – que não se identifica nem com o gênero masculino, nem com o gênero feminino.

Apenas dois atletas transgênero se classificaram para competir nas Olimpíadas de Paris: Nikki Hiltz, no atletismo, e Quinn, no futebol canadense.

Tanto Hiltz quanto Quinn são pessoas trans não binárias. Isso quer dizer que elas não se identificam 100% nem com o gênero feminino, nem com o gênero masculino.

Uma pessoa trans não necessariamente é alguém que transicionou de homem para mulher ou vice-versa. Pessoas não binárias também são pessoas transgênero.

Quinn e Nikki foram designadas como mulheres ao nascer e disputam medalhas na categoria feminina, ainda que não se identifiquem com o gênero.

Quem pode participar?

Em 2021, o COI órgão lançou uma cartilha (ainda em vigor) com dez princípios para “promover a igualdade de gênero e inclusão”.

Entre outras determinações, segundo as diretrizes do COI:

* Cabe a cada federação esportiva criar suas regras, que podem variar conforme o esporte;
* O atleta tem direito de contestar a Federação Internacional no Tribunal Arbitral do Esporte.

Em entrevista ao portal de notícias g1, Joana Harper – mulher trans, ex-atleta e uma das maiores autoridades no assunto – conta que o documento, que ela ajudou a redigir, era baseado em um critério objetivo: o nível de testosterona no sangue dos atletas.

“Mulheres trans tinham que reduzir a testosterona a um valor específico e mantê-la assim por 12 meses antes de competir. A política foi amplamente adotada por várias das federações desportivas”, explica Harper.

Apesar de o nível de testosterona ter sido adotado como critério por grande parte das federações, ele não é consenso na comunidade científica. Waleska Vigo, pesquisadora na área de gênero e esporte olímpico, explica como testes que levam em conta fatores como este podem excluir atletas intersexo.

“Tem gente que tem a testosterona elevada, mas tem uma mutação nesse receptor que faz com que ela não tenha efeito no corpo. Tem atletas com a testosterona lá em cima, mas esse efeito não se dá na prática”, aponta Vigo, que é doutora pela Escola de Educação Física e Esporte da USP.

A pesquisadora relembra ainda o caso da ex-jogadora de vôlei Erika Coimbra, que foi reprovada no teste de gênero na Olimpíada de Sidney, em 2000, devido a uma condição chamada “Síndrome de Morris”, que eleva os níveis de testosterona no corpo. Na época, Erika teve de provar pela certidão de nascimento que era uma mulher cisgênero.

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