Quarta-feira, 29 de janeiro de 2025
Por Redação Rádio Pampa | 27 de janeiro de 2025
Ganha impulso no Brasil a procura pela inseminação caseira (IC) com a finalidade de obter a gravidez. A prática consiste em coletar sêmen humano fresco em recipientes descartáveis e transferi-lo para o corpo de alguém que tenha útero com a ajuda de seringas ou cateteres e sem contato sexual, para fecundar óvulos.
Diferentemente dos tratamentos que envolvem a infraestrutura das clínicas de medicina reprodutiva e a participação de especialistas, a inseminação caseira é feita em casa com materiais acessíveis e orientações obtidas em redes sociais. Em idiomas como espanhol e francês, o método é conhecido como “inseminação artesanal”.
Tentantes (quem deseja ter filhos) conectam-se a doadores de sêmen em plataformas como o WhatsApp ou Facebook e combinam condições. Os doadores descrevem suas motivações e intenções (que vão desde ajudar mulheres a serem mães até doar substâncias corporais ou disseminar seus genes pelo mundo) e trocam informações sobre exames prévios, planejamento do ciclo fértil e orientações para realizar o procedimento de maneira segura.
A IC é uma alternativa especialmente procurada por mães solo, casais de mulheres lésbicas e pessoas que desejam compartilhar a parentalidade fora dos moldes tradicionais. Homens trans também recorrem ao método. Essas questões foram investigadas na tese de doutorado “Uma análise cartográfica da inseminação caseira: caminhos possíveis para maternidades lésbicas”, defendida em 2024 por Roberta Gomes Nunes, que foi orientada por Anna Paula Uziel.
Foram entrevistadas nove mulheres lésbicas que tiveram filhos por IC e residem no Rio de Janeiro, quatro doadores de sêmen do Rio de Janeiro e São Paulo, duas advogadas, uma defensora pública, um juiz, uma médica especialista em reprodução assistida e dois representantes de órgãos reguladores (Conselho Federal de Medicina (CFM) e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)).
As entrevistas mostraram que o principal motivo para recorrer à IC foi a busca por alternativas mais acessíveis e autônomas em um contexto no qual a reprodução assistida tradicional se mostra inacessível.
Dificuldades de acesso
A primeira dificuldade que cerceia o acesso aos tratamentos e clínicas de medicina reprodutiva é o alto custo. Dados do 14º Relatório do Sistema Nacional de Produção de Embriões (SisEmbrio) indicam que, anualmente, são realizados cerca de 56 mil ciclos de FIV (fertilização in vitro) no Brasil. Porém, esse benefício se mantém restrito apenas à população de maior poder aquisitivo, uma vez que cada tentativa de gravidez (ciclo) custa, em média, R$ 30 mil. Os preços proibitivos se mantêm, ainda que técnicas como a FIV e a ICSI (injeção intracitoplasmática de esperma) tenham começado a se disseminar na década de 1990.
O acesso à medicina reprodutiva pelo SUS também é muito restrito. Segundo levantamento de 2023 feito pela Agência Brasil, apenas quatro hospitais no país realizavam procedimentos de medicina reprodutiva de alta complexidade de forma gratuita. É uma limitação estrutural que exclui boa parte da população.
Nesses cenários, pessoas sozinhas, casais, trisais ou em outras combinações como a pessoas em co-parentalidade (em que em geral gays e lésbicas optam pela combinação de gametas para terem filhos/as em conjunto) decidem experimentar a IC para escapar dos custos, da burocracia e viabilizar novos arranjos familiares.
Com a disseminação da IC, surgem manifestações de toda ordem, exacerbando a misoginia que constitui a sociedade. Vídeos em redes sociais ridicularizam a prática e criticam quem opta por essa via, com ataques frequentes às decisões das mulheres e ao uso que fazem de seus próprios corpos.
Profissionais da medicina tendem a alertar que a inserção de sêmen sem o devido preparo na vagina eleva os riscos de transmissão de doenças e danos físicos decorrentes do uso inadequado de materiais. A falta de supervisão por profissionais da saúde é apontada como um fator que aumenta os riscos associados ao método.
Falhas na legislação
A ausência de regulamentação específica para a IC gera incertezas legais. Embora a Constituição de 1988 e as mudanças sociais das últimas décadas tenham ampliado o conceito de família, reconhecendo-a independentemente do casamento ou de um modelo cis-heteronormativo, a IC ainda é vista com preconceito por prescindir de uma relação sexual ou do envolvimento direto de um homem.
No Brasil, a reprodução assistida é regulamentada pela resolução 2.320/2022 do Conselho Federal de Medicina (CFM) e pelo provimento 149/2023 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A resolução do CFM estabelece o anonimato na doação de gametas. O objetivo do anonimato é evitar disputas legais e afirmar que a doação é um ato altruísta, sem a intenção de criar vínculos familiares. No entanto, em sua última edição, a resolução permitiu exceções para doações entre familiares.
Além disso, a legislação brasileira, a exemplo da Lei 9.434/1997 e a Lei de Biossegurança (11.105/2005), proíbe a comercialização de gametas e embriões, reforçando que a manipulação do corpo humano deve ser ética e sem fins lucrativos. As informações são do portal O Globo.