Segunda-feira, 23 de dezembro de 2024
Por Redação Rádio Pampa | 22 de dezembro de 2024
Uma das principais interlocutoras da esquerda no meio militar, a então deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC) usou da sua amizade com o comandante da Marinha, Almir Garnier, para tentar evitar que ele quebrasse uma tradição secular e não passasse o cargo ao seu sucessor. A conversa com o almirante, ocorrida nos últimos dias de 2022, porém, terminou com xingamentos e ofensas ao presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva.
O episódio ilustra o clima nos 61 dias de espera pela posse do petista, enquanto um grupo com participação de militares, segundo a investigações da Polícia Federal, preparava um golpe para manter Jair Bolsonaro no poder. O período também foi marcado por embates dentro da equipe do futuro governo sobre como lidar com os acampamentos instalados na frente dos quarteis e com a segurança do presidente eleito.
Auxiliares de Lula que participaram da transição contam que só se deram conta do risco exato que o presidente corria com o avanço das apurações da PF ao longo deste ano. O dia 15 de dezembro, por exemplo, passou batido. Na data, as investigações mostram que havia um plano para matar o petista, o vice Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.
Desde o fim do primeiro turno da eleição, havia nas hostes petistas preocupação com a situação das Forças Armadas. Reuniões entre Perpétua, a presidente do partido, Gleisi Hoffmann, e os ex-ministros da Defesa dos governos petistas Celso Amorim e Nelson Jobim ocorreram em São Paulo para discutir o assunto. O diagnóstico era que havia uma maioria bolsonarista nas tropas.
Com a vitória de Lula, aliados passaram a quebrar a cabeça para escolher o novo ministro da Defesa. Militares consultados queriam Aldo Rebelo, que havia ocupado o posto no segundo mandato de Dilma Rousseff, mas ele já havia iniciado o seu movimento de distanciamento de Lula e da esquerda. Citado pela imprensa, Ricardo Lewandowski, ministro do Supremo Tribunal Federal, enfrentava forte resistência nos comandos militares justamente por fazer parte da Corte.
Perpétua, então, sugeriu o nome de José Mucio Monteiro. Além de ter uma carreira política em partidos de direita, ele tinha amizade com Bolsonaro dos tempos em que foram deputados federais juntos, o que seria importante naquele momento. Anunciado na primeira leva de ministros, em 9 de dezembro, Mucio passou a buscar conversar com os comandantes militares. Mas, por dias, foi solenemente ignorado.
Sem outra alternativa, concluiu que precisaria recorrer a Bolsonaro. Sua mulher o alertou que, para evitar fofocas, era prudente avisar Lula de sua intenção. “Faça o que achar que deve fazer. Você nem falou comigo sobre isso”, respondeu Lula, lavando as mãos.
Mucio foi ao Alvorada, onde Bolsonaro havia se refugiado depois da derrota eleitoral. O então presidente se prontificou a ajudar a ligou imediatamente aos comandantes com a orientação de que conversassem com o futuro ministro de Lula.
O general Freire Gomes, então, recebeu Mucio no QG do Exército, em Brasília. Foi gentil e lembrou que havia conhecido no passado o pai do ministro. Mas foi enfático em dizer que gostaria de deixar o cargo antes de Lula assumir a Presidência. Na prática, o general não queria bater continência para o petista. O comandante da Aeronáutica, Baptista Junior, teve a mesma postura: conversou com Mucio, mas pediu para deixar o cargo antes de Lula assumir.
Já Guarnier, único dos comandantes militares que, segundo as investigações, colocou as suas tropas à disposição do plano golpista, não aceitou receber o ministro indicado por Lula nem depois do pedido de Bolsonaro.
Perpétua Almeida havia trabalhado com Guarnier no Ministério da Defesa no tempo de Aldo Rebelo. Os dois assessoram o ministro durante a gestão Dilma. Antes de ir ao almirante com o apelo para que ele passasse o cargo ao sucessor, a deputada do PCdoB havia tentado convencê-lo a receber Múcio.
“Quando fui conversar com o Guarnier para ele receber o Zé Mucio, ele era uma outra pessoa. Não era o amigo que eu conhecia e com quem tinha uma excelente relação. Era um cara que se mostrava muito raivoso, insatisfeito com o processo eleitoral. Não era o estilo dele. Ele chegou a ser indelicado falando coisas contra o Lula e aquilo me surpreendeu muito”, contou Perpétua. As informações são do jornal O Globo.