Quarta-feira, 30 de outubro de 2024

Mutações podem ter deixado o vírus da varíola dos macacos mais contagioso

Um estudo alemão que analisou o genoma de 47 amostras do vírus de varíola dos macacos de casos recentes afirma ter encontrado evidências de que mutações estão conferindo vantagem ao patógeno atualmente em circulação. O trabalho pode mudar o cenário descrito pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que até maio declarava que o vírus não havia sofrido mutação preocupante.

Segundo os pesquisadores, o tipo de alteração vista em algumas amostras coletadas sugere que o vírus já está em processo de evolução e adaptação a humanos. O grupo, liderado pelo geneticista Terry Jones, do hospital Charité, da Universidade Livre de Berlim, identificou genes duplicados ou deletados no material genético do vírus encontrado em um dos pacientes. Além disso, achou seis genes com mutações que alteram estruturas de proteínas.

“Rearranjos de genoma desta natureza em outros vírus da família dos orthopoxvirus conferem vantagens de desempenho quando sob pressão da seleção natural”, escrevem Jones e colegas.

O estudo oferece uma conclusão preliminar, porque ainda não foram concluídos experimentos que permitirão entender o que as mutações descritas até agora provocam efetivamente no vírus. Além disso, o trabalho dos alemães ainda não passou por revisão independente. Foi divulgado de forma preliminar no portal Biorxiv.

Acaso ou evolução

Se o vírus da varíola dos macacos está sofrendo alterações por pressão seletiva, dizem os pesquisadores, provavelmente isso está ocorrendo para que ele se torne mais bem adaptado a infectar humanos. O monkeypox tem como reservatório natural roedores e outros animais, e na maioria dos surtos passados o baixo número de casos foi insuficiente para que o patógeno se instalasse de vez entre humanos. Mas isso pode mudar.

O geneticista Salmo Raskin comentou os resultados do estudo alemão. Ele aponta que as duplicações e deleções de genes fazem o cromossomo aumentar e diminuir em diferentes trechos, como uma sanfona, favorecendo a frequência de mutações com alterações funcionais no DNA do vírus.

“O que eles detectaram agora foi um exemplo desse efeito sanfona, mas a natureza pode fazer isso sem um ‘intuito’, por assim dizer, apenas gerando variabilidade. Então, será que essas alterações estão mesmo surgindo apenas como variabilidade ou estão aumentando a capacidade de o vírus se transmitir de pessoa para pessoa?”, questiona o cientista.

O trabalho alemão divulgado nesta semana foi o segundo a levantar preocupação com a evolução genética do vírus da varíola de macacos neste ano. Um grupo de cientistas do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (Insa), de Lisboa, publicou no mês passado um estudo na revista Nature Medicine.

Segundo o trabalho, liderado pela geneticista Joana Isidro, o vírus que circula neste ano pode já ter algumas diferenças funcionais em relação ao patógeno que circulou de maneira limitada pelo mundo antes desta década.

“Apesar de a linhagem do vírus da varíola dos macacos de 2022 poder ser agrupada com a de 2018 e 2019, ela se separa em um ramo filogenético [hereditário] diferente, provavelmente um reflexo de uma evolução contínua acelerada”, escreve a cientista.

Outro sinal de que a reemergência da doença em 2022 é mais complexa do que se esperava vem de um estudo preliminar indiano, divulgado nesta semana pelo portal Medrxiv. Cientistas veem semelhança da linhagem do vírus que circula na Índia com outra que se gerou um punhado de casos nos EUA em 2003.

Se alguns geneticistas estão apontando sinais de preocupação com a evolução do vírus, infectologistas, que trabalham na frente clínica, estão cautelosos quanto a reconhecer que a epidemia atual de varíola dos macacos ganhou maior dimensão por causa de uma maior infecciosidade do vírus.

“A gente ainda não tem dados clínicos epidemiológicos ligados com dados genéticos. Ainda temos que esperar um pouco para entender o que cada mutação dessas pode representar. É impossível tirar qualquer conclusão sem os dados clínicos e, principalmente, sem os ensaios laboratoriais”, afirma Júlio Croda, consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia e presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical.

Se as mutações genéticas não são consequência de uma maior transmissibilidade, porém, a circulação mais ampla do vírus pode levar à maior ocorrência dessas alterações.

“Quanto mais são os casos e maior é o ritmo de transmissão, maior é chance de mutações”, diz o cientista.

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