Domingo, 08 de setembro de 2024

Não aprendemos nada?

A capa da Der Spiegel, uma das mais influentes revistas da Europa, estampou em sua edição de 18.05.2024, sob um fundo com a bandeira alemã demarcada pela suástica, uma pergunta intrigante. “Nichts Gelernt”? (não aprendeu nada?) configura-se num alerta urgente diante do crescimento da ultradireita no País do Holocausto, receio este confirmado nas últimas eleições para o Parlamento Europeu. Diante dessa mesma apreensão, o Presidente Emmanuel Macron, após mais de 40% dos votos expressos terem sido para os partidos de direita e extrema direita na França, anunciou a dissolução da Assembleia Nacional e convocou eleições legislativas antecipadas para junho e julho deste ano. A preocupação de alemães, franceses e europeus de forma geral não deixa de fazer sentido, uma vez que a história do velho continente pagou um preço enorme sempre que o nacionalismo e a hostilidade em relação ao estrangeiro capturaram parte importante da preferência de seus eleitores.

Esse medo de que os fantasmas do passado voltem a assombrar a Europa, contudo, parece que não tem sido suficiente para que os mesmos erros deixem de ser cometidos. As imagens da atual guerra na Ucrânia, os massacres em Gaza, feitos por Israel em resposta aos atos terroristas do Hamas de 07.10.2023 e os temores redivivos de uma hecatombe nuclear colocam em dúvida a capacidade do ser humano aprender com os próprios erros. Nesse sentido, não deixam de ser ilustrativos os temores que a ascensão da extrema direita suscita na Europa e em outras partes do mundo, uma vez que essa perspectiva embute uma série de consequências que o passado testemunhou e que agora se projeta como uma possibilidade angustiante.

No caso específico da Europa, a linha discursiva que tem atraído cada vez mais popularidade rejeita a ideia de uma União Europeia, ao mesmo tempo em que aposta em políticas anti-imigração, num aceno claro ao nacionalismo clássico, conjugando também elementos de forte apelo populista como “Deus, Pátria e Família”, preconizado por Giorgia Meloni, líder eurocética da Itália. Há, também, coincidência que transcende fronteiras nas propostas para a redução dos direitos da comunidade LGBTQ e de acesso ao aborto, pautas de costumes que estão recebendo crescente simpatia dos eleitores.

Entretanto, é preciso considerar que o perigo hoje associado ao crescimento da extrema direita também é uma resposta a angústias legítimas de grande parte do eleitorado que se sente ameaçado por rápidas transformações no mundo do trabalho e inquietações de toda ordem que marcam essa terceira década do milênio. Cabe, nesse caso, tanto às forças moderadas de esquerda e de direita escapar da atual armadilha maniqueísta, cuja dicotomia que separa o mundo entre perdedores e ganhadores, bons e maus ou nós ou eles, tem servido muito mais aos propósitos extremistas, que hoje também contam com a ascensão vertiginosa das mídias sociais, uso massivo da mentira enquanto arma de propaganda política e eleitores receptivos aos discursos de ódio.

Colocados em bases civilizadas de convivência, esquerda e direita, liberais e conservadores são fundamentais para o equilíbrio entre a ética cívica e as demandas da ética pessoal. Como bem assinalou Eduardo Gianetti, é preciso uma gramática de convivência que de alguma forma encontre o ponto adequado para a inevitável tensão entre os dois imperativos da melhor sociedade: liberdade e justiça. Nos atuais termos e circunstâncias do mundo moderno, os apelos aos exageros extremados são mais uma resposta à incapacidade dessa reconciliação da política como eixo mediador entre os anseios de uma sociedade crescentemente plural e complexa e um sistema bastante marcado pelo sectarismo e pela intolerância. Os riscos e ameaças, como sempre, estão nos excessos de ambos os lados.

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