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Por Redação Rádio Pampa | 20 de outubro de 2021
A Nasa lançou uma sonda que partirá em direção a aglomerados de asteroides ao longo do caminho orbital de Júpiter. Eles são conhecidos como enxames de Troia e representam as últimas regiões de asteroides inexploradas do sistema solar. A espaçonave, uma robô arqueóloga do espaço profundo chamada Lucy, tentará responder a questões urgentes sobre as origens do sistema solar, como os planetas migraram para suas órbitas atuais e como a vida pode ter surgido na Terra.
“Nunca fomos tão longe assim para estudar asteroides”, disse Bill Nelson, o administrador da Nasa. “Nessa missão conseguiremos compreender melhor a formação do sistema solar, compreender melhor a nós mesmos e nosso desenvolvimento”.
Depois de uma viagem de seis anos, Lucy voará perto de sete asteroides até 2033, completando trajetos que, em algumas representações gráficas, mais parecem o contorno de uma pista de corrida de Fórmula 1.
A espaçonave estudará a geologia, a composição, a densidade e a estrutura dos asteroides troianos, que são pequenos corpos presos em pontos estáveis ao longo da órbita de Júpiter, fixados em suas próprias órbitas, à frente ou atrás do imenso planeta.
“É sempre interessante ir a algum lugar pela primeira vez”, disse Cathy Olkin, a principal pesquisadora-adjunta da missão Lucy. “Cada vez que fazemos isso, aprendemos mais e mais sobre nosso sistema solar e a região do espaço onde vivemos”.
A humanidade já explorou uma variedade de pequenos corpos rochosos em todo o sistema solar. A missão NEAR pousou em Eros, no cinturão de asteroides interno. A missão Dawn orbitou Ceres e Vesta, os dois maiores mundos do cinturão entre Marte e Júpiter. As missões Hayabusa do Japão e OSIRIS-REX da Nasa realizaram contatos imediatos com asteroides próximos à Terra. E a missão New Horizons visitou Arrokoth, um objeto no distante cinturão de Kuiper do sistema solar.
Mas os troianos nas proximidades de Júpiter ainda precisam ser investigados. Foram descobertos cerca de 10 mil desses objetos. Quando o primeiro foi localizado, há mais de um século, os astrônomos começaram a batizá-los em homenagem aos heróis da Ilíada de Homero. O resultado foi a nomenclatura geral de “troianos”.
O nome da missão “Lucy” é uma referência ao esqueleto australopiteco de 3,2 milhões de anos descoberto em 1974, que revelou segredos da evolução humana. A equipe da Nasa espera que a robô Lucy faça o mesmo com a evolução do sistema solar, e a pré-história é um tema recorrente entre os cientistas da missão.
Tom Statler, o cientista do programa Lucy na Nasa, descreve Lucy como “uma arqueóloga planetária” e a compara ao estudo das pirâmides do Egito.
“Se você quiser entender como as pirâmides foram construídas, você pode ir lá e olhar o lado exterior delas, você pode escalar todas elas”, disse Statler. Fazer isso, no entanto, responderá muito pouco sobre como elas de fato foram construídas.
“Mas, se você conseguir encontrar e escavar o canteiro de obras abandonado próximo às pirâmides, encontrar as ferramentas usadas para construí-las, encontrar os blocos restantes – as coisas que foram quebradas e moldadas, mas não usadas – aí você vai começar a ter uma visão do interior de uma pirâmide e como ela foi parar lá”, disse ele.
“É o que estamos fazendo com os asteroides”, disse ele. “Estamos escavando as sobras do canteiro de obras”.
A missão nasceu da necessidade
Trinta anos atrás, o conceito de formação planetária era muito mais claro do que é hoje. Uma estrela se formara no centro de um disco giratório de material protoplanetário. Gradualmente, o material foi se condensando e se consolidou em oito planetas de órbitas simples (além de Plutão).
No entanto, quando o cientista planetário Hal Levison e outros teóricos tentaram simular a formação do sistema solar, eles se depararam repetidas vezes com um problema: era virtualmente impossível construir Urano e Netuno em suas órbitas atuais. Para dar conta desses mundos, conhecidos como gigantes de gelo, Levison, agora o principal pesquisador da missão Lucy, e três outros pesquisadores desenvolveram o modelo de Nice da evolução do sistema solar (batizado em homenagem à cidade francesa).
O modelo sugere que os planetas gigantes se formaram muito mais perto do Sol do que suas órbitas atuais e que as órbitas cada vez mais excêntricas de Júpiter e Saturno desestabilizaram e reorganizaram o sistema solar. No processo, conforme os planetas gigantes se moviam e Urano e Netuno saltavam para fora, eles espalharam os pequenos corpos do sistema solar. Alguns cometas e asteroides foram lançados para as profundezas do sistema solar externo, e outros foram totalmente ejetados para a Via Láctea.
Uma pequena minoria de asteroides espalhados foi capturada em dois dos pontos de Lagrange permanentes de Júpiter, que são regiões do espaço onde as influências gravitacional e orbital do planeta e do sol estão equilibradas. As regiões conduzem e seguem Júpiter em sua órbita. Esses asteroides são os enxames de Troia.
Hoje, o modelo de Nice oferece a compreensão predominante de como, cerca de 4,6 bilhões de anos atrás, um disco de poeira e gás se transformou em um sistema de planetas girando em torno de um sol. Além disso, as observações de telescópio sobre exoplanetas levaram a uma reavaliação científica mais ampla de como podem se formar os sistemas estelares, incluindo o nosso. Algumas estrelas distantes são orbitadas por planetas gigantes que estão mais perto delas do que Mercúrio está do nosso sol.
Levison passou a acreditar que as ideias da comunidade científica sobre a formação planetária não estavam de acordo com os dados de que dispunha. A melhor maneira de restringir variáveis no modelo de Nice seria levar em consideração as origens dos troianos.
“Uma das coisas mais surpreendentes sobre a população dos troianos é que eles são muito diferentes uns dos outros em termos físicos, mas ocupam uma região muito pequena do espaço”, disse ele. “Essa diversidade naquela pequena região está nos dizendo algo importante sobre a evolução dos primórdios do sistema solar”.
Para entender os segredos guardados nas órbitas dos troianos, Levison precisava persuadir a Nasa a construir uma espaçonave para estudá-los e determinar o que se formou e onde. O resultado é Lucy. Seu projeto foi escolhido em 2014, por meio do Programa de Descobertas da Nasa, no qual cientistas competem por propostas para missões menores.