Domingo, 22 de dezembro de 2024

“O branco que exigimos nos dentes não existe na natureza”: como Hollywood estabeleceu uma perfeição dentária impossível

“Sua risada iluminou toda a sala”. A metáfora mais clichê de todos os tempos está prestes a se tornar literal. Entre aplausos e sorrisos largos e radiantes, o brilho das dentaduras alteradas ofusca e perturba qualquer gala, evento ou entrega de prêmios. Dentes brancos são um item básico em Hollywood, e, portanto, entre celebridades e personalidades de todas as artes. Qualquer ator sabe (e assina em seu contrato) que, saindo do escritório do produtor em Los Angeles, vai direto para a consulta do dentista, que ajustará incisivos e caninos aos cânones estéticos comuns: retos, quadrados, alinhados e muito brancos. Todos iguais. Em todo o mundo.

Um dentista com consultório em Beverly Hills assegurou à revista Allure que, enquanto assistia à última cerimônia do Globo de Ouro, fez o exercício de contar quantos participantes mantinham seus dentes naturais. Segundo seu cálculo, apenas 20% tinham os dentes que a genética lhes proporcionou. A jornalista da Allure tem a impressão que o dentista contou errado. Ela esperava, dada a pompa do evento, 99% de sorrisos sintéticos.

A elevação do sorriso para alcançar o brilho de Hollywood é apenas uma parada de rotina no caminho para uma estética construída e alterada que inclui mudança na cor do cabelo, uma silhueta mais esbelta (com dieta, exercícios e algumas injeções de Ozempic), um rosto fresco e descansado graças a doses de neuromoduladores e uma boca mais sensual preenchida com algumas ampolas de ácido hialurônico. Uma aparência destinada a agradar e a eliminar qualquer traço de personalidade que distorça o padrão estético.

Como você já deve ter notado em qualquer filme ou série de televisão, os sorrisos são amplos, brancos e alinhados, independentemente do status socioeconômico do ator ou da época em que se passa a história.

“É uma cor que não existe na natureza. Trabalhamos com o guia de clareamento Vita, um guia de cores inspirado nos tons naturais dos dentes, que geralmente tendem para o cinza ou amarelo, e o branco sanitário não aparece”, explica Elena Carrión, ortodontista e professora de mestrado em Ortodontia da Universidade Alfonso X.

Faceta dentária

O assunto do clareamento dental é tão público que o Daily Mail dedicou um artigo aos novos dentes que Brad Pitt exibiu no Globo de Ouro de 2023. Três anos antes, havia registrado uma visita ao dentista de Kim Kardashian com o objetivo de manter dentes grandes, uniformes e de um tom chamativo de branco azulado (ou “perolado”, nas palavras do tabloide britânico).

A faceta dentária é uma pequena lâmina que pode ser de porcelana ou compósito e é fixada na parte frontal do dente para melhorar sua forma, cor e brilho, também para mascarar manchas e outros problemas. Geralmente, é uma solução estética rápida e muito procurada. Também são usadas coroas que cobrem toda a peça e são um pouco mais invasivas com o dente, saudável ou não, que fica oculto.

“A maioria dos atores de Hollywood tem facetas ou coroas”, opina Mariano Abruzzesi, dentista estético na SHA Wellness Clinic, e acrescenta: “Com as facetas, você consegue uma aparência natural desde que não escolha aquele branco nuclear”.

Obsessão

A obsessão humana por dentes brancos tem pelo menos 5 mil anos. Acredita-se que no antigo Egito, misturava-se pedra-pomes e vinagre para fazer uma pasta dental com efeito clareador. Desde então, uma dentadura alva é símbolo de beleza, riqueza e poder. Em Hollywood, a loucura pelos dentes é registrada em algum momento do período entre guerras.

Dentes brancos são onipresentes e estão acima de qualquer exigência de roteiro. Vemos em “Game of Thrones” (HBO) que a ação se passa numa espécie de Idade Média: há peste, há guerras, mas todos, desde reis até concubinas, têm dentes imaculados. Algo semelhante acontece em “Euphoria”, onde não encontramos nenhum rastro dos problemas de mordida e apinhamento dental que são comuns em adolescentes, especialmente se baseiam sua dieta em cerveja e opioides.

Dentes brancos, mais do que uma estética, são uma ideologia. Uma prova da vontade e da capacidade econômica de um indivíduo de otimizar suas qualidades físicas com intervenções tecnológicas mais ou menos longas, mais ou menos dolorosas e invasivas, mas eficazes, e com um resultado estético previsível e suscetível de ser clonado até o infinito. Não importa que, em uma sala escura, todos os dentes sejam brancos, refletivos e idênticos. Esse parece ser, de fato, o objetivo.

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