Sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

O capitalismo no divã

Cresce a sensação de que o atual modelo capitalista, sem desprezar seus méritos, tornou-se insuficiente diante das atuais demandas e transformações que acometem a sociedade moderna. As profundas diferenças sociais que ainda marcam a nossa era, pontuadas por desequilíbrios abissais de renda, uma remodelação sem precedentes no mundo do trabalho e o choque provocado pela Inteligência Artificial reclamam novas posturas. O papel da fraternidade e sua tensão dialética entre liberdade e igualdade, vetores históricos e sempre revisitados quando a intenção é debater novas possibilidades teóricas do regime capitalista, passa a nortear o debate. Não faz sentido, entretanto, qualquer mudança sem um forte apelo ético. Assim, essa reflexão, posto que necessária, é igualmente complexa, uma vez disposta a enfrentar coerência e consequência à dignidade humana, prevista constitucionalmente.

O tema, apesar de não ser inédito enquanto objeto de preocupação de pensadores e lideranças políticas sensíveis aos impactos das atuais transformações, explora uma visão alternativa do sistema econômico predominante, destacando a necessidade de colocar o ser humano no centro das atividades econômicas. O surgimento dessa tendência é impulsionado pela crescente conscientização sobre questões sociais e ambientais, levando empresas e indivíduos a adotar práticas mais éticas e sustentáveis. Embora seja um processo gradual, com avanços ainda insuficientes, é visível que o atual modelo econômico vigente precisa ser superado. Essa mudança de paradigma é motivada pela busca por um equilíbrio entre lucro e impacto positivo na sociedade e no meio ambiente, reconhecendo que o sucesso econômico não deve ser alcançado às custas do bem-estar humano e da saúde do planeta. Toda essa discussão se trava, é preciso lembrar, num ambiente de extremada fluidez e impermanência, tornando ainda mais desafiador qualquer processo de mudança.

Em paralelo às discussões que confrontam sistemas já consagrados de apropriação e acumulação de capital, uma disfunção no sistema ganha corpo, não em oposição às premissas originais que Adam Smith proclamou, mas reivindicando de forma exclusiva e unilateral a experiência humana como fonte de matéria-prima gratuita, tornada mercadoria e posta à venda. Shoshana Zuboff, num memorável trabalho de investigação das grandes plataformas que hoje dominam a arena virtual, alerta para o risco das atuais empresas de tecnologia estarem contribuindo para tornar cada vez maiores os abusos no uso de informações pessoais para sua própria acumulação de capital. Hoje, as chamadas Big Techs operam numa espécie de “zona livre”, lucrando e moldando comportamentos sem nenhum tipo de freio. Alimentada por algoritmos cada vez mais poderosos, a inteligência artificial alojada nesses colossos econômicos como Alphabet, Meta, X , Tik Tok, Apple, Amazon e Microsoft, cria uma nova forma de poder e exploração. O impacto nos indivíduos, nas relações sociais e nos sistemas democráticos sugere que novas formas de regulamentação e enfrentamento do fenômeno terão que se tornar urgentes.

A propósito, a União Europeia saiu na frente e implementou um conjunto de normas para as plataformas on-line que visa proteger de forma mais adequada a população contra conteúdos ilegais. Os EUA, por motivos geopolíticos envolvendo sua relação com a China, através do Senado, aprovou um projeto de lei que determina a proibição do Tik Tok em solo americano, a menos que o seu proprietário chinês, a ByteDance, venda a operação americana da empresa em prazo não superior a nove meses. A despeito de justas preocupações sobre as fronteiras de tais limitações acerca do papel de alcance das plataformas digitais, é inegável reconhecer que para poucos deve interessar a manutenção de uma “terra de ninguém” nas redes sociais. Um capitalismo mais inclusivo e humanizado não pode prescindir de um ecossistema de comunicação íntegro e saudável, uma vez que a circulação responsável de conteúdos se encontra na base de democracias perenes e que zelam pelos interesses maiores da sociedade.

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