Sábado, 19 de outubro de 2024

“O diagnóstico de câncer é sempre um choque, mas não vemos mais tantos pacientes desesperados”, diz oncologista

Com 50 anos de prática médica, o oncologista Sergio Simon testemunhou a evolução na diagnose e no tratamento do câncer no País. Em entrevista ao jornal O Globo, ele aponta que, embora a atenção oncológica tenha inegavelmente melhorado, ainda há desigualdades regionais a serem superadas. Enquanto nas grandes cidades os centros especializados prestam serviço de excelência, a assistência em municípios menores não segue o mesmo padrão.

Um dos fundadores do Grupo Brasileiro de Estudos Clínicos em Câncer de Mama (GBECAM) e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), Simon ressalta que é fundamental aperfeiçoar a formação médica no Brasil, para aumentar as chances de detecção precoce de tumores. Ele também defende mais investimentos nas equipes de cuidados paliativos, que atendem pacientes em fase final da doença.

1-Como vê a evolução da atenção oncológica no país nas últimas cinco décadas?

Há 50 anos, o diagnóstico era trancado a sete chaves, para que o paciente não soubesse que tinha câncer. Hoje, a conduta é discutida abertamente com o paciente, e ele participa das decisões terapêuticas. A opinião dele é muito levada em conta. A atenção oncológica melhorou muito no país nesse período, com o desenvolvimento de uma especialidade específica chamada oncologia clínica e com o aumento do número de cirurgiões e radioterapeutas formados para atender especificamente esses pacientes. O aparecimento de programas de detecção precoce também tem melhorado bastante, mas ainda é falho no país como um todo, principalmente no sistema público.

E que grandes desafios persistem nos dias de hoje?

O maior é manter uma igualdade na distribuição dos cuidados da doença. No sistema público, existe grande disparidade de tratamentos oferecidos em centros especializados e em locais mais distantes das grandes capitais. É de extrema importância levar qualidade assistencial a todo o país. Além disso, o tratamento se tornou extremamente caro, onera toda a sociedade: tanto aqueles que pagam planos de saúde particulares como os pacientes do sistema público. O preço aumentou, em alguns casos, até cem vezes o que custava 50 anos atrás. O ideal seria reduzir os custos do tratamento, permitindo uma distribuição mais acessível e democrática em todo o país

2-A seu ver, a formação dos clínicos precisa ser aprimorada, para que cresça a chance de diagnósticos precoces?

Sem dúvida, é essencial aprimorar a formação de todos os médicos, incluindo os clínicos gerais, para que possam diagnosticar o câncer na fase mais precoce possível, por meio de exames de rastreamento que, muitas vezes, não são solicitados. Por isso, a Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica tem reforçado a importância dos programas de detecção precoce, voltados tanto para os pacientes quanto para os próprios clínicos gerais.

3-Falta acesso aos tratamentos mais modernos pelo Sistema Único de Saúde? Como lidar com restrições orçamentárias?

O SUS tem se esforçado para introduzir, por exemplo, imunoterapia para os casos bem indicados. É um tratamento caro, mas bastante eficaz em casos de melanoma, e já está à disposição de pacientes. Outros medicamentos de alto custo também foram incorporados ao tratamento pelo SUS. Mas, evidentemente, os altos preços das novas drogas podem ser proibitivos, e muitas delas não mudam a sobrevida do paciente de maneira definitiva. Devemos valorizar esses esforços do SUS nessa área.

4-É preciso aumentar os investimentos em pesquisa clínica?

A pesquisa clínica é uma área extremamente importante para o bom atendimento dos pacientes oncológicos. Permite que se utilizem tratamentos inovadores de maneira gratuita para pacientes com determinadas características. Isso alivia a carga financeira do SUS, porque o tratamento é pago pela indústria farmacêutica interessada em desenvolver drogas novas. Em alguns países, como a Rússia, as mulheres com câncer de mama metastático são tratadas em 40% dos casos através de pesquisa clínica. Isso também gera um importante conhecimento em como a nossa população reage a determinados tratamentos. Essas pacientes em pesquisa clínica são acompanhadas com muito cuidado, e isso nos fornece informações de boa qualidade para que possamos conhecer a situação do paciente brasileiro em relação a novos tratamentos.

5-Vivemos na era das fake news. Considera que ainda se dissemina muita informação falsa sobre câncer? Tem quem ainda propague que determinados chás podem trazer a cura…

Certamente, ainda circulam. É o caso da fosfoetanolamina, conhecida como a “pílula milagrosa contra o câncer”, que ganhou destaque no país há alguns anos, mas cujos estudos comprovaram não ter eficácia. Ela ainda continua sendo comentada em fóruns da internet, o que é uma pena, porque leva pacientes a irem atrás de tratamentos não eficazes. De qualquer maneira, a informação de boa qualidade está à disposição da população na internet e isso é muito bom.

6-Daqui a dez anos, o câncer vai se tornar a principal causa de morte no Brasil, segundo estimativas. Superamos o tempo em que a doença era vista como uma sentença de morte?

O medo do câncer é cada vez menor na população geral, porque praticamente todo mundo conhece casos bem sucedidos de tratamentos oncológicos e convive com pessoas que passaram por isso e estão muito bem. É claro que o diagnóstico de câncer é sempre um choque para a pessoa, mas não é mais tão comum ver pacientes desesperados: eles tendem a se informar, discutir com os médicos, saber as opções terapêuticas e o seu prognóstico de uma maneira mais tranquila, mais bem informada do que acontecia no passado.

7-E os cuidados paliativos, ganharam nova dimensão? Existe um movimento de desmistificação da tese de que estes pacientes não têm mais chance de sobreviver.

Os cuidados paliativos são um instrumento de extrema valia no tratamento dos pacientes oncológicos. Uma vez que não exista mais possibilidade de melhora ou de cura, ele passa a ser acompanhado por uma equipe especializada em aliviar os sintomas da doença. Muitos pacientes temem os sintomas dessa fase final da doença, e os cuidados paliativos existem justamente para oferecer conforto e tornar essa etapa o mais tranquila possível. É importante destacar que muitos convivem com essa condição por anos. É muito importante que o serviço de oncologia disponha de uma equipe especializada no tratamento paliativo.

⁠8-É comum que pacientes em remissão ou curados digam que a vida foi ressignificada. Cinquenta anos depois, esses relatos ainda o comovem?

Como disse, o diagnóstico de câncer é sempre um choque para o paciente, e para muitas pessoas ele significa uma revisão de todos os seus objetivos de vida, causando realmente uma mudança para melhor em alguns pacientes. Não é raro pacientes curados falarem: “poxa, que bom que eu tive esse câncer de mama e pude melhorar minha qualidade de vida de uma maneira tão expressiva”. Essa é uma frase que a maioria dos oncologistas já ouviu. É uma pena que as pessoas tenham que passar pelo susto do diagnóstico de câncer para rever a sua vida e a sua qualidade de vida, mas é o que acontece.

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