Domingo, 22 de dezembro de 2024

O eterno conflito

Eram exageradas as notícias sobre a morte da luta capital e trabalho? Sinais vindos de todos os lados indicam que sim. Nesse sentido, uma das notícias mais recentes e estridentes vem dos EUA, ícone do capitalismo liberal empreendedor. Metalúrgicos americanos, vinculados ao UAW (United Auto Workers), paralisaram simultaneamente as três principais fábricas de automóveis do país, reclamando por melhores salários e condições de trabalho. Um outro indício, também afeto ao mundo laboral, informa que o Google, a Amazon e até o Zoom, plataforma de reuniões on-line, decidiram que seus empregados devem retornar aos escritórios. Especialistas afirmam que a produtividade tem sido o principal argumento das empresas para justificar essa contratendência, uma vez que o trabalho remoto pode reduzir a produtividade entre 10% a 20%. Em paralelo a esses acontecimentos, o mundo perde Domenico De Masi, pai do “ócio criativo” e quem ousou sonhar com o enterro do “tripalium” e a emergência de um trabalhador mais feliz do que aquele que a vida rural e industrial foi capaz de engendrar.

Em meio às contradições e ao eterno choque entre quem domina os meios de produção e quem trabalha, é pouco crível imaginar que o relativo limbo desses últimos represente o fim dos conflitos. O fato de a luta de classes ter sido quase que aniquilada em seus padrões originais, muito em função da fragmentação da produção e do consequente enfraquecimento dos sindicatos, não significa que não existam rancores reprimidos, tampouco perspectivas emergentes. A globalização, os avanços tecnológicos, a inteligência artificial, a desindustrialização de algumas nações, a desigualdade de renda, o individualismo crescente e as crises econômicas foram fatores que, de modo amplo, afetaram o ânimo dos trabalhadores, enfraqueceram o movimento sindical e promoveram uma nova dinâmica entre o capital e o trabalho em todo o mundo, mas não a sua morte. A releitura desse contexto, agora, terá que ser feita sob inéditos paradigmas, não mais, apenas, em Marx, Mayo e Likert, mas nas novíssimas tendências apontadas, por exemplo, por Rohit Bhargaya, para quem o “não óbvio” é que dominará as variáveis para auscultar o futuro, onde tudo sinaliza que a impermanência, embora confira o tom, não será proprietária de todas as partituras.

A identidade ampliada, a agenerização (compreensão mais fluida da identidade de gênero), o conhecimento instantâneo, o revivalismo, o modo humano, a riqueza da atenção, o lucro com propósito, a abundância de dados, a tecnologia protetora e o comércio em fluxo, segundo Bhargaya, terão que conviver, influenciando e sendo influenciadas por arcabouços que remontam às guildas, que refluem em greves paradoxais, como aquela que aflige Biden, na confluência improvável entre o martelo e o algoritmo, nos paradoxos aterradores do fim do emprego e da reinvenção completa dos saberes para manter-se “empregável”. Nesse labirinto multifacetado, também convive a esperança de um porvir não trágico, de que tão bem se ocupou De Masi. É dele o inspirador arremate no seu monumental “O trabalho no século XXI”: A criatividade, cada vez mais indispensável à nossa sociedade e ao trabalho pós-industrial, precisa, para se desenvolver em toda a sua potência inovadora, de liberdade, cor, ironia, lazer, reflexão, interação, afeto. A pandemia, funesta, sob tantos pontos de vista, foi providencial para iniciar essa revolução. Graças ao “smart working”, a solidão do indivíduo que reflete não o impede de colaborar com a equipe que discute, o sedentarismo do corpo não contradiz o nomadismo do pensamento e tudo isso finalmente reconcilia aquilo que Taylor havia dividido: o trabalho com o qual criar riqueza, o estudo com o qual criar conhecimento, o jogo com o qual criar alegria, que encontram sua síntese no ócio criativo. O sonho de De Mais ainda está longe de se tornar uma realidade global, embora sejam inegáveis os sinais de que capital e trabalho busquem hoje se reconciliar sob novas perspectivas, quem sabe mais adequadas a esse novo tempo.

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