Sexta-feira, 27 de dezembro de 2024
Por Redação Rádio Pampa | 8 de setembro de 2022
Quem olha para o Brasil de hoje, e busca referências no País que existia em 1822, não deixa de se surpreender. Éramos, de forma geral, um povo pobre e carente em praticamente tudo. Vivíamos sob uma economia agrária rudimentar, tomada pelo latifúndio e dependente da mão de obra escrava. O analfabetismo grassava junto à esmagadora maioria da população, na qual apenas um de cada dez habitantes sabia ler e escrever. Nosso País, em sua vastidão continental, contava com menos de 5 milhões de habitantes, concentrados na faixa litorânea, deixando isolado e esquecido um imenso sertão. As finanças públicas estavam à míngua, após D. João VI voltar para Portugal, não sem antes raspar os cofres nacionais. O passar desses dois séculos evidencia que todo o emaranhado de circunstâncias que transformaram o Brasil naquilo que hoje somos ainda é um projeto inconcluso. Apesar dos avanços, nossa independência precisa ser reafirmada a cada dia, pois a sua consolidação não ocorre sem riscos, vários deles associados a um entendimento muito diverso sobre o real sentido de nossa brasilidade.
Atualmente, segregados por grave polarização política, assistimos ao reavivamento de pautas julgadas superadas, cujo saudosismo anacrônico pode fazer retroceder o País. O bicentenário da independência ocorre com a intolerância em alta e ânimos por demais exaltados. Brasileiros, de norte a sul do País, confrontam-se diariamente, fazendo ouvidos moucos para apelos conciliatórios, como se não houvesse amanhã. As eleições, ao contrário de celebrarem a democracia, reacendem temores sobre o seu próprio futuro. No campo estrutural, nos convertemos numa das dez maiores economias do planeta, porém ainda não fomos capazes de transformar o imenso potencial que nos foi legado pela natureza numa real possibilidade a todos os aqui nascidos. Teimamos em não reconhecer nossas dívidas históricas, a exemplo dos ecos da escravidão que ainda perduram, e da injustiça social que agride a nossa consciência. Abdicamos de articular um projeto nacional que elimine de vez o abismo que separa vencedores e perdedores, com estes últimos alijados de direitos fundamentais à educação, à saúde, à moradia e ao saneamento básico. Sem essa reconciliação com o um destino mais fraterno, nossa independência será sempre manca e para poucos. É preciso fazer com que o “grito do Ipiranga” seja ampliado para muito além dos muros que hoje nos dividem.
Esses tempos nervosos e turbulentos que vivemos, salpicados diariamente por exemplos de intolerância e violência, nos induzem a crer que não existem muitas alternativas para o estado geral de polarização e sectarismo que nos cerca. Os noticiários alimentam a sensação de que a cooperação foi inapelavelmente vencida pela competição fria e desenfreada. A maldição da eterna segregação e conflitos encontra o seu ápice na sociedade cibernética, apta a avanços tecnológicos incríveis, conectando o planeta em tempo real, mas ainda incapaz de difundir o entendimento e a paz. Cada vez mais ensimesmados e egoístas, ignoramos que a injustiça social profunda, torna imperdoável nossa omissão. Nesse momento, o apelo por maior moderação não deveria ser depreendido por fraqueza, e pedidos por harmonia e entendimento tomados simplesmente como um banalizado clichê em nome da paz.
Darwin ensinou que, no processo evolutivo humano, grupos cooperativos e coesos geralmente suplantavam grupos egoístas e individualistas, conferindo aos primeiros, importante vantagem seletiva. Paradoxalmente, essa mesma tendência gregária também pode cegar as pessoas para algumas questões morais ou passionais, como bem denota a atual guerra nas redes sociais. Quando a eliminação dos contrários passa a ser tratada como solução para suprimir os problemas, é necessário articular, dentro da própria sociedade organizada, as soluções que o estado sozinho não consegue encarregar-se. O novo grito do Ipiranga tem agora novos atores, novos desafios e uma nova realidade, mas um mesmo Brasil, um mesmo povo e um futuro do tamanho de nossa capacidade de escolha nas próximas eleições.