Quarta-feira, 20 de novembro de 2024
Por Redação Rádio Pampa | 13 de setembro de 2024
O músico inglês Paul McCartney passava uns dias na casa da noiva em Londres quando, em uma manhã de 1963, acordou com uma melodia na cabeça. Correu até o piano e dedilhou os acordes. Para fixá-la na memória, improvisou até um título com os ingredientes do café da manhã: “Scrambled Eggs” (“ovos mexidos”). Um ano depois, durante um passeio do ex-beatle por Portugal, aquela música ganhou uma letra definitiva sobre amor perdido.
No começo dos anos 1980, o escritor norte-americano de suspense Stephen King estava a caminho da Inglaterra para uma noite de autógrafos quando, lá pelas tantas, caiu no sono. Imaginou que era mantido como refém em uma fazenda no fim do mundo. Ao acordar, se ajeitou na poltrona, pegou um guardanapo e rascunhou a sinopse de uma história sobre um escritor famoso e sua fã número um.
Sonhos servem para muitas coisas, explica o neurocientista norte-americano Rahul Jandial. Usar “insights” criativos para compor letras de música ou escrever livros é apenas uma das possibilidades: “Até pouco tempo atrás, eu achava que interpretar sonhos era como ler horóscopo. Hoje, estou convicto de que, na maioria das vezes, o sonho tem algo importante a dizer. E ajudar a superar traumas, combater ansiedade ou mesmo prever doenças”.
Jandial dedicou um capítulo inteiro de “Por que Sonhamos – O que o Cérebro Adormecido Revela Sobre a Vida que Levamos Acordados” (Editora Sextante) ao tema: O que os sonhos revelam sobre nosso bem-estar. Em um dos tópicos (intitulado “Sonhos podem nos servir de alerta para futuras doenças”), cita o trabalho do neurologista russo Vasily Kasatkin, famoso por defender a tese de que sonhos podem antecipar os sintomas de uma doença.
Um de seus pacientes sonhou que vomitava depois de ingerir comida estragada. Outro que um camundongo roía sua barriga. Um terceiro que seus dentes amanheciam sangrando. Tempos depois, os três tiveram os diagnósticos de gastrite, úlcera e bruxismo confirmados.
Em outro tópico (“Como os sonhos avaliam a depressão e o vício”), ele observa que sonhos também podem dar pistas sobre dependência química. No caso de usuários de drogas, sonhar com cigarro, álcool ou cocaína nem sempre é sinal de recaída. Pode ser um sintoma de recuperação. É o caso do brasileiro usuário de crack que, mesmo dormindo, se recusou a consumir a droga. “Acordei feliz por saber que não fumei a pedra nem no sonho”, relatou um dos 21 voluntários estudados pelo psicólogo Thiago Rovai da Silva, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
No Brasil, um dos maiores especialistas no assunto é o neurocientista Sidarta Ribeiro. Ele é um dos fundadores do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (ICe-UFRN) e autor do livro “O Oráculo da Noite – A história e a Ciência do Sonho” (Companhia das Letras, 2019). Ribeiro explica que todos nós sonhamos. Uns mais, outros menos.
Quantas vezes por noite ainda não é consenso entre os pesquisadores. Uns acreditam que ocorre uma vez a cada ciclo de sono. Como temos de quatro a seis ciclos, teríamos uma média de quatro a seis sonhos por noite. Outros, porém, defendem que sonhamos uma vez a cada estágio. Como cada ciclo tem quatro estágios (N1, N2, N3 e REM), sonharíamos, neste caso, de 16 a 24 vezes por noite. Haja sonho!
“Em primeiro lugar, uma vida onírica rica é indicativo de um sono de qualidade. Em outras palavras: se você sonha muito, é sinal de que dorme bem”, garante Ribeiro. “Em segundo lugar, nossos sonhos falam de medos e desejos. Tememos o que nos faz mal e desejamos o que nos dá prazer. O que isso quer dizer? Sonhar é como decifrar um mapa para dentro de nós mesmos”.
Os sonhos, prossegue o neurocientista, podem ser divididos em positivos e negativos – os negativos também são conhecidos como pesadelos. No primeiro grupo, há a satisfação de um desejo. O sonhador encontra uma pessoa, chega a um destino ou conquista um objetivo. No segundo, o enfrentamento de um medo. Sofre um ataque de tubarão, cai em um abismo profundo ou é levado por um tufão.
Há, ainda, um terceiro tipo: o sonho lúcido. É quando, mesmo dormindo, você tem consciência de que está sonhando. Esse, aliás, foi o tema do doutorado de Sérgio Arthuro na UFRN: “O sonho lúcido é, por assim dizer, a exceção da regra. Na maioria das vezes, por mais bizarro que seja o sonho, não sabemos que estamos sonhando”.
Indagado sobre “para que servem os sonhos?”, Arthuro responde: “Simulam o futuro”. Sabe o simulador de um parque de diversões que prepara você para andar em uma montanha-russa? Então, é mais ou menos a mesma coisa. “É como se o sonho fosse uma espécie de treino ou ensaio para algo que pode acontecer”, compara.