Domingo, 22 de dezembro de 2024

Okinawa: os suicídios e assassinatos de centenas de japoneses antes da rendição aos Estados Unidos na 2ª Guerra Mundial

Shigeaki Kinjo tinha 16 anos quando centenas de pessoas em seu arquipélago no Japão começaram a se matar. E ele tomou uma decisão que o marcaria por toda a vida.

Durante a Segunda Guerra Mundial, Kinjo e outros habitantes das ilhas Ryükyü foram doutrinados com a ideia de que, se as tropas americanas invadissem o território, eles seriam cruelmente assassinados e as mulheres acabariam estupradas.

À época, foi incutida a ideia de que, em vez de enfrentar esse terrível fim, seria melhor se os cidadãos acabassem com suas próprias vidas. O Exército Imperial Japonês deu até granadas de mão aos civis para atirar nos inimigos ou para se explodirem — mas várias delas falharam.

Quando os soldados americanos desembarcaram, Kinjo viu um adulto de sua aldeia espancar a própria família até a morte com um galho de árvore e resolveu fazer exatamente o mesmo.

“Pensamos que essa era a única saída que tínhamos”, lembrou Kinjo, anos mais tarde. “Com meu irmão mais velho, matamos minha mãe, minha irmã e meu irmão mais novos”, relatou, durante uma entrevista realizada em 1998 ao Imperial War Museum do Reino Unido.

Esse foi o início de uma onda de suicídios forçados de civis que aconteceram durante a Batalha de Okinawa, o combate feroz que começou num dia 1º de abril (como hoje) e foi a chave para o fim da guerra em 1945.

Contexto

Situada a centenas de quilômetros a sudoeste de Tóquio, Okinawa é a maior das ilhas Ryükyü, que já formou um reino independente e se tornou parte integrante do Japão em 1879.

Esse passado costuma ser associado ao fato de a ilha ter sido palco de uma das batalhas mais sangrentas do Pacífico durante a Segunda Guerra Mundial.

“Os moradores do arquipélago acreditam que o que aconteceu na Batalha de Okinawa foi único, porque eles não eram vistos como totalmente japoneses”, diz a historiadora Kirsten Ziomek, que dirige um departamento de estudos asiáticos na Universidade Adelphi, nos Estados Unidos, e está escrevendo um livro sobre as experiências da população local durante a guerra no Pacífico.

Dias depois de invadirem as ilhas Kerama, onde vivia Kinjo, os aliados iniciaram a captura de Okinawa para ter ali uma plataforma estratégica de onde lançar uma eventual invasão ao resto do Japão — que, por sua vez, respondeu com uma série de ataques aéreos suicidas de pilotos kamikaze contra a frota americana a oeste e resistiu com dezenas de milhares de soldados no solo, muitas vezes usando cavernas como abrigos antiaéreos.

Estima-se que, nos 82 dias de combates em Okinawa, cerca de 100 mil soldados japoneses, 12 mil militares americanos e pelo menos 100 mil civis morreram, incluindo centenas que foram forçados a se matar.

Ziomek sustenta que a chave para os suicídios em massa é que eles ocorreram em locais com presença militar japonesa, como uma caverna na ilha. Enquanto isso, em outros lugares que tinham apenas civis, havia outra compreensão geral: era melhor se render.

“Suicídios forçados em grupo, em que centenas morrem, ocorreram porque os militares japoneses estavam coagindo os civis a fazer isso”, explica Ziomek. “É horrível o que aconteceu.”

O historiador Hirofumi Hayashi calcula que apenas nas ilhas Kerama foram 559 vítimas de suicídios em massa. As estimativas sugerem que, quando adicionado a Okinawa, foram cerca de 700 mortes do tipo no total.

Alguns especialistas sugerem que a propaganda da mídia japonesa, que retratava os americanos como selvagens e glorificava os suicídios de civis em 1944 durante a Batalha de Saipan, a maior das Ilhas Marianas, também pode ter influenciado muitos em Okinawa a tirar a própria vida.

Diferentes sobreviventes deste episódio concordam em apontar a responsabilidade das forças armadas japonesas ao encorajar o suicídio de civis, em parte por medo do que eles poderiam dizer aos invasores ou porque fazer prisioneiros era considerado vergonhoso na cultura local.

Um dos defensores dessa tese foi Takejiro Nakamura, que viu sua própria mãe estrangular a irmã com uma corda depois que ela implorou para morrer primeiro.

“Todos nós queríamos cometer suicídio porque acreditávamos no Exército Imperial”, justificou Nakamura em um depoimento coletado pela BBC em 2007. “Eu culpo o Exército Imperial. Minha irmã teria hoje filhos e netos.”

Consequências

O fato de esses depoimentos terem surgido a partir de 2007 está longe de ser uma mera coincidência.

Naquele ano, uma controvérsia estourou depois que o governo japonês propôs modificar e suavizar passagens nos livros escolares que afirmavam que o Exército ordenava que os moradores de Okinawa cometessem suicídio em vez de se render.

Alguns conservadores japoneses questionaram durante anos os relatos sobre o brutal passado de guerra do país.

Mas a proposta de mudança nos livros de história para alunos do Ensino Médio provocou um dos maiores protestos já vistos na ilha: mais de 100 mil pessoas foram às ruas para manifestar oposição à revisão.

Kinjo foi uma das vozes mais notórias nesses protestos. Ele testemunhou sobre sua experiência de guerra em julgamentos que levaram ao reconhecimento do envolvimento dos militares japoneses em suicídios em massa.

Foi uma conquista e tanto para alguém como Kinjo que, após sobreviver à batalha e ser feito prisioneiro pelos americanos, levou duas décadas para começar a contar o que havia vivenciado. Ele morreu em julho do ano passado, aos 93 anos, devido a problemas cardíacos.

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