Domingo, 22 de dezembro de 2024

“Peeling de fenol fora de centro cirúrgico é um crime”, diz médico especialista

A morte na última segunda-feira (3) do empresário Henrique Silva Chagas, de 27 anos, em São Paulo, após um procedimento de peeling de fenol, acendeu o alerta de entidades de saúde e especialistas que chamam atenção para os riscos da técnica e a importância de que ela seja feita apenas por profissionais especializadas e dentro de um ambiente controlado.

No caso de Henrique, o peeling foi feito pela esteticista e influencer Natalia Fabiana de Freitas Antonio, conhecida como Natalia Becker nas redes sociais, que acumula mais de 200 mil seguidores. Ela alega ter feito um curso online sobre o procedimento, o que ainda assim não seria suficiente, alertam os médicos.

“Eu comecei a fazer peeling de fenol 1975. É um processo com resultados muito bons e seguros, mas é um crime você fazer fora de centro cirúrgico, num lugar em que você não tem o controle necessário, e por alguém que não é um médico especializado”, diz o cirurgião Luiz Paulo Barbosa, membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) com mais de 45 anos de experiência na área.

O procedimento utiliza uma substância ácida, o fenol, para induzir a queimadura e descamação da pele e, consequentemente, a renovação celular. Mas, quando a substância está sendo absorvida pela pele, ela pode causar uma arritmia, que é uma alteração da frequência cardíaca, explica o cirurgião.

“Quando a arritmia é fraca, você nem percebe, é mais comum. Mas se for grave, é preciso ter o acompanhamento de um anestesista e dos equipamentos necessários, como respiratório, medicamentos e desfibrilador, para identificá-la e revertê-la. Se não for revertida, pode levar à parada cardíaca e à morte. Por isso não pode ser feito por leigos. Você não pode em hipótese alguma fazer isso numa clínica, o risco de problemas é enorme”, alerta.

Essa preocupação tem motivado também a manifestação de sociedades médicas. Na quinta-feira (6), o Conselho Federal de Medicina (CFM) afirmou que, por se tratar de um procedimento estético invasivo, a lei estabelece que o peeling de fenol seja realizado apenas por médicos especializados.

Além disso, reforça que, mesmo quando feito por médicos, precisa “ocorrer em ambiente preparado com obediência às normas sanitárias e estrutura para imediata intervenção de suporte à vida, em caso de intercorrências”.

O Conselho pediu as autoridades de Vigilância Sanitária que reforcem a fiscalização aos estabelecimentos e profissionais que prestam esse tipo de serviço “sem atenderem aos critérios definidos em lei e pelos órgãos de controle”. Além disso, demandou maior controle de comercialização de medicamentos, equipamentos e insumos de uso médico, “que têm sido vendidos indiscriminadamente”.

“Por sua vez, a Polícia Civil e o Judiciário são instados pelo CFM a agirem com urgência, coibindo a prática de exercício ilegal da medicina com a aplicação do rigor das leis nos casos denunciados”, continua o Conselho, lembrando que, como o peeling de fenol se enquadra como procedimento médico, a prática por outros profissionais é crime no Brasil.

A Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) também se manifestou de forma semelhante ao destacar que o peeling de fenol “demanda extrema cautela, considerando sua natureza invasiva e agressiva”. A entidade também enfatizou que o procedimento deve ser realizado apenas por médicos, “preferencialmente em ambiente hospitalar, com o paciente devidamente anestesiado e sob monitoramento cardíaco”.

No caso em São Paulo, Natalia, que realizou o peeling, foi indiciada por homicídio doloso com dolo eventual, e a Vigilância Sanitária de São Paulo fechou e multou o Studio Natalia Becker por falta de autorização.

Uma das suspeitas investigadas é a de que Henrique teria sofrido alguma reação alérgica e morrido devido a um choque anafilático. Para Barbosa, que tem experiência com o procedimento, a reação grave pode até ter ocorrido, porém é mais provável que o óbito tenha sido ligado ao risco de arritmia grave durante a aplicação do fenol.

“O choque anafilático até pode acontecer, mas isso num centro cirúrgico também é revertido com corticoide, com ventilação em alguns minutos. Da mesma forma, quando ocorre a arritmia pela absorção do produto, é revertida. O que citam sobre o caso do rapaz é característico de uma arritmia”, diz ele.

E há ainda outros riscos no procedimento feito de forma inadequada. Além de “problemas cardíacos imprevisíveis, independentemente da concentração, do método de aplicação e da profundidade atingida na pele”, a SBD cita ainda “dor intensa, cicatrizes, alterações na coloração da pele e infecções”.

“E há o risco também de necrose no tecido em que se está fazendo a aplicação, criar um buraco na face, então é preciso de um médico especializado. Não é possível aprender a fazer peeling de fenol com um curso online”, continua Barbosa.

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