Quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

Polarização é maior nos Estados Unidos do que no Brasil, aponta pesquisa

Tanto os Estados Unidos, no ano passado, quanto o Brasil, em 2022, foram palco de eleições presidenciais acirradas, marcadas por um forte embate ideológico. Uma pesquisa do Instituto Locomotiva, no entanto, aponta que o fenômeno da polarização é ainda mais intenso junto aos americanos do que no cenário nacional. O levantamento, divulgado pelo jornal O Globo, mediu a distância em oito temas principais entre os eleitores do republicano Donald Trump, que tomou posse na segunda-feira, e da democrata Kamala Harris, comparando o resultado com o registrado no grupo que votou no presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ou em seu antecessor Jair Bolsonaro (PL).

A pesquisa apresentou aos entrevistados questões específicas sobre identidade de gênero, posse de armas, família e casamento, religião e política, imigração, mulheres e sociedade, população negra e Justiça criminal. Em sete desses temas, o abismo que separa os simpatizantes de Trump e Kamala é maior do que o computado entre bolsonaristas e lulistas – a exceção fica por conta da pergunta sobre ser “melhor se as pessoas considerassem o casamento e ter filhos uma prioridade”, em que o fosso é ligeiramente superior no Brasil.

Na média, a distância entre os eleitores de Lula e Bolsonaro em todos os oito temas é de 19 pontos percentuais. O índice aferido nos EUA, de 45 pontos percentuais, corresponde a mais do que o dobro de divergência.

Força das redes

Os assuntos que geraram maior polarização no Brasil foram identidade de gênero (37 pontos percentuais de diferença) e posse de armas (32). No entanto, a oposição é ainda mais acentuada nos Estados Unidos, com 53 pontos e 71 pontos, respectivamente. Especialistas apontam que a maior tensão reflete o caráter ideológico desses temas, frequentemente abordados nas redes sociais dos dois países. Nos EUA, as perguntas sobre imigração (54 pontos de diferença) e população negra (56) também ficaram entre as de respostas mais antagônicas.

O tema das armas, recordista de divergência entre os americanos, ilustra esse fenômeno. Apenas 11% dos eleitores de Trump rechaçam o armamento como uma medida útil para melhorar a segurança, contra 82% dos que preferiram Kamala — nos EUA, cada estado pode deliberar sobre as regras para posse ou porte de arma. No Brasil, a resistência a essa política é bem maior, com 37% de contrariedade mesmo junto aos que votaram em Bolsonaro, além dos 69% computados entre lulistas. Como outras pesquisas já evidenciaram, a contenção ao armamentismo na direita é capitaneada, principalmente, por mulheres e cristãos.

Como um reflexo do sentimento de insegurança no país, a maior aproximação entre os eleitores de Lula e de Bolsonaro, com diferença de apenas três pontos percentuais, vem na seguinte pergunta: “A Justiça criminal no Brasil já é dura o bastante com criminosos?” Apenas 23% dos que votaram no petista concordam com a assertiva, patamar próximo aos 20% dos bolsonaristas.

Se ao tratar da violência o eleitorado de Lula é puxado para a direita, o oposto ocorre no questionamento sobre “mulheres e sociedade”, no qual a distância entre os dois grupos foi de sete pontos percentuais, o segundo menor do levantamento. Para 73% dos simpatizantes de Bolsonaro, “os avanços que as mulheres conquistaram na sociedade não ocorreram às custas dos homens”, enquanto 80% dos lulistas pensam o mesmo.

Para o historiador Michel Gherman, especialista em extrema direita e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a maior proximidade entre lulistas e bolsonaristas tem como pano de fundo o fato de “ambos serem líderes populistas”. As eleições de 2022 também foram decididas, assim, com base na afeição por esses nomes, e não necessariamente por um motivo ideológico. Em contraposição, avalia, Trump e Kamala representavam projetos diametralmente opostos nos Estados Unidos.

“Tem a ver com o “centrão” brasileiro e com a figura de Lula, que não é uma liderança de esquerda nem progressista no sentido estritamente americano, ligado à identidade. Lula é uma liderança popular, cuja imagem vai além da polarização. Ele está mais associado à agenda dos direitos sociais do que aos direitos políticos”, acrescenta Gherman.

No tema família e casamento, o único com distância maior no Brasil, 79% dos eleitores de Lula afirmaram que a sociedade pode prosperar sem que casar e ter filhos seja uma prioridade, contra 52% de bolsonaristas. Nos EUA, 60% dos que votam em Trump chancelam a ideia, além de 83% dos simpatizantes de Kamala.

‘País de consensos’

O contexto histórico de cada país também influencia diretamente na polarização. Enquanto os Estados Unidos possuem apenas dois partidos — Republicano e Democrata —, o Brasil conta, hoje, com 29.

“Os Estados Unidos são um país bipartidário, acostumado ao confronto desde a guerra civil. O Brasil, por sua vez, é um país de consensos, com muito mais acordos do que dissensos. Outro fator importante é o papel das redes sociais, que chegaram antes nos Estados Unidos. Lá, a polarização já é evidente em qualquer assunto”, observa Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva.

A pesquisa do Instituto Locomotiva foi realizada entre os dias 4 e 13 de novembro do ano passado, com 1.185 entrevistas online. Eles utilizaram dados do Pew Research, instituto americano que ouviu 4.527 eleitores de 8 a 14 de abril.

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