Domingo, 22 de dezembro de 2024

Produção científica no Brasil registra pela 1ª vez queda por dois anos consecutivos

Relatório da Agência Bori em parceria com a editora científica Elsevier apontou que a produção científica do Brasil caiu 7,2% em 2023 comparada a 2022. É a primeira vez que o número de artigos científicos – 69.656 no balanço mais recente – recua por dois anos seguidos. Até 2022, o País vinha em ritmo de crescimento anual da produção desde que os dados começaram a ser tabulados (1996). A análise inclui artigos com autores brasileiros publicados em mais de sete mil editoras científicas no mundo todo. Procurado pela reportagem, o Ministério da Ciência e Tecnologia não comentou.

Os artigos científicos estão entre os principais frutos do trabalho de um pesquisador, e normalmente demoram de dois a três anos até serem publicados em revistas especializadas, pois passam por revisões de pares, análises e edições até a versão final. Por isso, os dados não representam, necessariamente, o cenário atual, mas um balanço sobre os últimos anos.

Para Estêvão Gamba, cientista de dados envolvido no relatório, são várias as causas – a pandemia é uma das principais. “Houve um ‘boom’ de publicações naquele período (2020-2021), com grande esforço da comunidade científica para entender o vírus, desenvolver vacina e tratamento, e com velocidade maior no tempo entre a submissão e a publicação dos artigos”, diz. “É normal uma retração nos anos seguintes.”

Não à toa, houve recuo também na produção científica mundial, que concentrou em 2023 o maior número de nações em decréscimo desde 1997. O relatório da Bori avaliou 53 países que publicaram mais de 10 mil artigos científicos em 2022 e mostrou mais 34 em queda, como Estados Unidos (-3,5%), Japão (-5,6%) e Austrália (-4,1%).

É importante ressaltar, porém, que a queda na produção científica não necessariamente significa piora da qualidade da ciência brasileira. Para o físico Nussenzveig, o relatório traz um alerta, mas que só pode ser avaliado se considerados outros dados, como aqueles sobre a qualidade da produção.

“Esse indicador sozinho chama a atenção, pois está fora do padrão que o Brasil vinha apresentando, mas não permite chegar a conclusões absolutas. Um recuo numérico em benefício da publicação em revistas de maior impacto, na verdade, pode até ser positivo”, avalia.

Cortes de verbas

No Brasil, outros fatores pesam. Segundo o relatório, investimentos públicos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) feitos pelos governos federal e estaduais têm caído desde 2013 (federal) e 2015 (soma dos estaduais).

“Pelos números, podemos ver que muitos países estão começando a se recuperar das quedas mais acentuadas na produção registradas no ano posterior ao pico da pandemia”, diz Soraya Smaili, ex-reitora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

“Mas a produção científica brasileira ainda sofre forte influência dos cortes orçamentários que se acentuaram a partir de 2019. O cenário de queda ainda vai perdurar por alguns anos”, continua ela, professora de Farmacologia.

“Pesquisa científica é como maratona, não é corrida de 100 metros. Precisa de constância, segurança, pois é quase impossível manter um ritmo de pesquisa adequado quando passa por muitos sobressaltos. É nisso que o País precisa focar daqui para a frente”, afirma Paulo Nussenzveig, pró-reitor de Pesquisa e Inovação da Universidade de São Paulo (USP).

Perda de interesse

Conforme a Capes, órgão do Ministério da Educação (MEC) de fomento da pós-graduação, houve declínio do interesse em carreiras científicas acadêmicas, após crescimento constante de 2015 a 2019. O total de ingressantes em mestrados e doutorados caiu 12% entre 2019 e 2022, atingindo o nível mais baixo em quase uma década. No ano passado, o número voltou a subir (10,8%).

O governo federal tem proposto iniciativas para tentar repatriar talentos da pesquisa que deixaram o Brasil. Em abril, o CNPq, outra agência de fomento à pesquisa, anunciou plano de investir R$ 1 bilhão nesse sentido. A proposta criticada pela comunidade acadêmica, que apontou a necessidade de valorizar primeiro os profissionais que atuam no País.

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