Segunda-feira, 16 de setembro de 2024

Quem chora por ti, Venezuela?

A alegação do estatuto da soberania dos países, a despeito de ser um instrumento legítimo para preservar os interesses nacionais diante de eventuais intromissões em assuntos internos, tem servido de anteparo a críticas ou até mesmo a sanções no sentido de enfraquecer eventuais ataques aos regimes democráticos ou que se autoproclamam como tal. O atual governo venezuelano, a propósito, sempre que instado a prestar contas pelos sistemáticos ataques às instituições e ao seu próprio povo, tem sacado o argumento de sua soberania como incontroverso.

Até quando a soberania servirá como escudo para tiranos, não se sabe. O que se sabe, contudo, é que as eleições venezuelanas realizadas no último dia 28.07, ratificaram a cronologia e o enredo de regimes de exceção quando no poder. Não existe infelizmente, histórico que mostre ditaduras sendo apeadas pelas urnas. Não foi a Venezuela, infelizmente, esse caso singular de transição pacífica de um regime autoritário para a democracia. O “banho de sangue”, previsto por Nicolás Maduro, poderia ser apenas uma bravata, tão peculiar a seu estilo, porém revela quão difícil se torna alguma mudança diante de um governo cujo fim é a perpetuação no poder a qualquer custo.

A realidade na Venezuela, com efeito, mostra um quadro bem mais intrincado e ameaçador do que as análises têm sido capazes de prever. Na abertura do seu programa WW da rede CNN, do último dia 24.07, Waack, em poucas palavras, descreveu um cenário bastante sombrio e realístico para os possíveis desdobramentos das eleições venezuelanas. Não se trata de um mero palpite, mas da junção do passado recente com a gênese histórica de ditaduras ao longo do tempo e das variáveis internas e externas que caracterizam o momento daquele país.

A propósito, nas ditaduras, é comum as pessoas votarem com os pés, como bem espelham os milhões de venezuelanos que não tiveram outra escolha a não ser abandonar o país, a esmagadora maioria por razões econômicas, dado o completo fracasso do atual governo que está no poder há mais de duas décadas. Para sobreviver, desde que chegaram ao poder, Chaves e Maduro se ancoraram num forte aparato de repressão, comum aos regimes totalitários, em parte inspirados na ditadura fracassada e renitente de Cuba e em parte ao estilo “bolivariano”, doutrina política que vigora em partes da América do Sul. Um outro fator observável foi a gigantesca teia de corrupção que passou a vigorar na Venezuela, especialmente entre a sua elite dirigente, fato que, juntamente com a existência de um expressivo contingente miliciano ligado a Maduro, fortalece a resistência a eventuais mudanças no atual regime.

A ditadura de Maduro é acusada também de favorecer o tráfico internacional de drogas, conferindo mais um elemento no já complexo e intrincado tabuleiro político venezuelano. O entrelaçamento desses interesses difusos, antagônicos em alguns casos, que seriam afetados em caso de troca de lideranças no topo do atual governo, torna improvável, como se pode mais uma vez observar, uma transição democrática e transparente. Não se pode esquecer ainda, como uma importante variável geopolítica, que a Venezuela é uma aliada de países como a China, a Rússia e o Irã, principais contestadores da hegemonia americana e que teriam muito a perder em termos de influência na região, caso a oposição assumisse o poder.

O fato é que a conjugação de todos os elementos complexos e interligados presentes na eleição venezuelana sinalizam que há um risco muito grande de recrudescimento do atual regime, com mais violência e perseguições políticas. O Governo Maduro, corrupto, fracassado e desumano, contudo, em algum momento terá que ser enfrentado, seja agora, seja daqui a algum tempo e o Brasil deve ter uma postura muita clara sobre de que lado efetivamente está. Não se pode defender a democracia aqui e aquiescer com regimes que pisoteiam o estado democrático de direito em outros países. A Venezuela oferece uma ótima oportunidade para que haja essa mudança de postura de nossa diplomacia.

edson bundchen

* Edson Bündchen

* edsonbundchen@hotmail.com

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