Domingo, 22 de dezembro de 2024

Quem deu o primeiro beijo? A arqueologia tem uma resposta

Esta é uma história de amor: durante a primavera setentrional de 2008, muito antes que produzissem as provas do primeiro beijo registrado da humanidade, Sophie Lund Rasmussen e Troels Pank Arboll se beijaram pela primeira vez ao se despedirem. Tinham se conhecido uma semana antes em um pub perto da Universidade de Copenhague, onde estudavam. “Perguntei ao meu primo se ele conhecia algum cara solteiro legal, com cabelo e barba compridos. E ele falou: ‘Claro, vou te apresentar um’”, contou Rasmussen.

Arboll, por sua vez, estava procurando uma parceira que compartilhasse seu interesse em assiriologia, o estudo das línguas mesopotâmicas e de suas fontes escritas. “Pouca gente sabe o que um assiriologista realmente faz”, ele disse a ela. “Eu sei”, ela respondeu, já que tinha cursado algumas das mesmas disciplinas. Arboll, agora professor de assiriologia na universidade, comentou: “Quando ouvi isso, percebi que ela era especial.”

Três anos depois, eles se casaram. Rasmussen agora é ecologista na Unidade de Pesquisa em Conservação da Vida Selvagem da Universidade de Oxford e da Universidade de Aalborg, na Dinamarca.

Em 2022, durante o jantar, o casal discutiu – como cientistas apaixonados fazem – um novo estudo genético que ligava variantes modernas do herpes ao beijo na boca na Idade do Bronze, aproximadamente de 3300 a.C. a 1200 a.C. No material suplementar do artigo, uma breve história do beijo apontava o sul da Ásia como o local de origem e rastreava o primeiro beijo literário em 1500 a.C., quando manuscritos em sânscrito védico estavam sendo transcritos a partir da história oral.

A pesquisadora, da Universidade de Cambridge, sugeriu que o costume – um precursor do beijo nos lábios que consistia em esfregar e pressionar os narizes – evoluiu para o beijo intenso. Ela observou que por volta de 300 a.C., o beijo tinha se espalhado pelo Mediterrâneo com o retorno das tropas de Alexandre, o Grande, do norte da Índia.

Mas o casal acreditava que não era esse o início do beijo. “Eu disse a Sophie que conhecia relatos ainda mais antigos, escritos tanto nas línguas suméria quanto acadiana”, afirmou Arboll, cuja especialidade são relatos antigos de diagnósticos médicos e prescrições. “Então, depois do jantar, verificamos de novo”, continuou Rasmussen, que é especialista em ouriços.

Eles consultaram textos cuneiformes em tábuas de argila da Mesopotâmia (atualmente, Iraque e Síria) e do Egito em busca de exemplos claros de beijos íntimos. A investigação resultou em um comentário recentemente publicado na revista Science que recuou em mil anos a documentação mais antiga do beijo e questionou a hipótese de que pessoas de uma região específica foram as primeiras a beijar e a narrar o fato.

O casal sustenta que, desde pelo menos o fim do terceiro milênio a.C., o beijo era difundido e bem estabelecido no Oriente Médio. “O beijo não foi um costume que surgiu abruptamente em um único lugar. Pelo contrário, parece ter sido comum em uma variedade de culturas”, disse Arboll.

Gravado em argila

Arboll e Rasmussen propuseram que o relato mais antigo do beijo foi gravado no Cilindro de Barton, tábua de argila que data de cerca de 2400 a.C. O objeto foi desenterrado na antiga cidade suméria de Nipur, em 1899, e nomeado em homenagem a George Barton, professor de línguas semíticas na Faculdade Bryn Mawr, que o traduziu 19 anos depois. Está no Museu de Arqueologia e Antropologia da Universidade da Pensilvânia, onde, de 1922 a 1931, Barton ensinou línguas semíticas e história da religião.

A narrativa do artefato envolve o mito sumério da criação e problemas com o fornecimento de alimentos em Nipur, capital religiosa original da Babilônia e local de adoração de Enlil, governante do cosmos. Na segunda coluna do texto, uma divindade masculina, possivelmente Enlil, tem relações sexuais com a deusa mãe Ninhursag, irmã de Enlil, e depois a beija. Em meio a essa brincadeira divina, a divindade masculina planta a semente de “sete pares de deuses” no útero dela.

Segundo Gonzalo Rubio, assiriologista da Universidade Estadual da Pensilvânia, a parte mais convincente da história é a sequência de eventos: “Nas representações do ato de beijar na literatura suméria, os sujeitos têm relações sexuais primeiro e só depois se beijam. É uma espécie de pós-jogo, em vez de uma preliminar.”

Embora a existência de registros de beijos na Mesopotâmia possa ser de grande importância para a filematologia, ciência que estuda o beijo, isso é notícia antiga para os que estudam essa região. “No pequeno e especializado campo da assiriologia, há uma tendência de olhar para dentro e não tanto para fora. Por mais que gostem de discutir entre si, os assiriologistas realmente não conversam com outras pessoas”, afirmou Rasmussen.

Rubio, que não esteve envolvido no projeto, elogiou Arboll e Rasmussen por reescreverem de fato a história do beijo: “Eles tinham como objetivo esclarecer o registro e corrigiram uma abordagem reducionista do comportamento humano.”

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