Terça-feira, 22 de outubro de 2024

Senhores pastores, aborto não é homicídio

A Câmara dos Deputados ofereceu ao distinto público um espetáculo degradante, um golpezinho baixo de Artur Lira, o presidente da casa, em menos de 20 segundos: a aprovação do regime de urgência para o projeto que equipara o aborto ao homicídio. Foi o tempo que durou a patranha, com o famigerado “quem estiver de acordo permaneça como está”.

É atribuída a Bismark, o chanceler alemão do século retrasado, a máxima: “Leis e salsichas: melhor não saber como são feitas”.

Com a manobra solerte, o projeto não precisará passar pelas comissões legislativas, indo direto ao plenário, sendo aprovado em tempo recorde.

O regimento interno da Câmara prevê as hipóteses da urgência. O caso do aborto não se enquadra em nenhuma delas, a não ser com saltos triplos mortais carpados de interpretação.

E por que urgência, se as disposições sobre o aborto são antigas, não provocam comoção, não estão na ordem do dia, a não ser nos estrídulos de certos líderes religiosos? O que está na lei não permite que a gravidez indesejada desborde para o aborto livre, na forma como existem em outros países.

Há tempo para uma discussão honesta, com ampla audiência da sociedade, o cotejamento com as outras leis vigentes no mundo, capazes de captar com maior fidelidade a vontade nacional, do que esse afogadilho suspeito.

Se Silas Malafaia, o deputado Sóstenes Cavalcanti, a legião de pastores da bancada evangélica têm no seu manual e catecismo que aborto é homicídio, que se empenhem nos limites de suas prerrogativas religiosas a convencer fiéis e seguidores – há intolerável exorbitância quando querem compelir com as mesmas regras os que não professam a mesma fé.

Ah, mas é a lei de Deus, dizem os profetas de fancaria. É mesmo? Ele lhes comunicou pessoalmente ou é uma interpretação que os senhores retiraram dos textos bíblicos? É muita soberba. Pastores, padres, líderes religiosos devem ter como primeira virtude a humildade. Eles não têm o direito de se atribuir a infalibilidade e proclamar o dogma a seu talante.

É da Bíblia e do Evangelho que o amor ao próximo, o consolo e a solidariedade na dor e sofrimento dos nossos irmãos, está nos planos de Deus como o inverso do mal, do pecado. Não bastasse o verdadeiro martírio a que são submetidas as mulheres no caso de uma gravidez indesejada, como no estupro, os pastores de miolo mole e de coração duro querem lhes infligir punições ainda mais pesadas, aumentando-lhes a aflição, causando-lhes vergonha e culpa. Devem tê-las – as mulheres – em menor conta.

Os senhores são pastores de suas Igrejas. Quando, entretanto, se fazem legisladores, os senhores precisam falar para todo o povo de Deus – que não é só o povo das suas igrejas.

Pior ainda é o papel dos que, não sendo pastores, por omissão e irresponsabilidade, não perceberam que foram massa de manobra de interesses cavilosos, para não dizer espúrios. Fizeram o papelão de votar sem saber na lei ignominiosa que pune com maior rigor meninas e mulheres que fazem aborto resultante de estupro do que os seus estupradores.

Tenham a dignidade de voltar atrás e pedir desculpas.

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Senhores pastores, aborto não é homicídio

A Câmara dos Deputados ofereceu ao distinto público um espetáculo degradante, um golpezinho baixo de Artur Lira, o presidente da casa, em menos de 20 segundos: a aprovação do regime de urgência para o projeto que equipara o aborto ao homicídio. Foi o tempo que durou a patranha, com o famigerado “quem estiver de acordo permaneça como está”.

É atribuída a Bismark, o chanceler alemão do século retrasado, a máxima: “Leis e salsichas: melhor não saber como são feitas”.

Com a manobra solerte, o projeto não precisará passar pelas comissões legislativas, indo direto ao plenário, sendo aprovado em tempo recorde.

O regimento interno da Câmara prevê as hipóteses da urgência. O caso do aborto não se enquadra em nenhuma delas, a não ser com saltos triplos mortais carpados de interpretação.

E por que urgência, se as disposições sobre o aborto são antigas, não provocam comoção, não estão na ordem do dia, a não ser nos estrídulos de certos líderes religiosos? O que está na lei não permite que a gravidez indesejada desborde para o aborto livre, na forma como existem em outros países.

Há tempo para uma discussão honesta, com ampla audiência da sociedade, o cotejamento com as outras leis vigentes no mundo, capazes de captar com maior fidelidade a vontade nacional, do que esse afogadilho suspeito.

Se Silas Malafaia, o deputado Sóstenes Cavalcanti, a legião de pastores da bancada evangélica têm no seu manual e catecismo que aborto é homicídio, que se empenhem nos limites de suas prerrogativas religiosas a convencer fiéis e seguidores – há intolerável exorbitância quando querem compelir com as mesmas regras os que não professam a mesma fé.

Ah, mas é a lei de Deus, dizem os profetas de fancaria. É mesmo? Ele lhes comunicou pessoalmente ou é uma interpretação que os senhores retiraram dos textos bíblicos? É muita soberba. Pastores, padres, líderes religiosos devem ter como primeira virtude a humildade. Eles não têm o direito de se atribuir a infalibilidade e proclamar o dogma a seu talante.

É da Bíblia e do Evangelho que o amor ao próximo, o consolo e a solidariedade na dor e sofrimento dos nossos irmãos, está nos planos de Deus como o inverso do mal, do pecado. Não bastasse o verdadeiro martírio a que são submetidas as mulheres no caso de uma gravidez indesejada, como no estupro, os pastores de miolo mole e de coração duro querem lhes infligir punições ainda mais pesadas, aumentando-lhes a aflição, causando-lhes vergonha e culpa. Devem tê-las – as mulheres – em menor conta.

Os senhores são pastores de suas Igrejas. Quando, entretanto, se fazem legisladores, os senhores precisam falar para todo o povo de Deus – que não é só o povo das suas igrejas.

Pior ainda é o papel dos que, não sendo pastores, por omissão e irresponsabilidade, não perceberam que foram massa de manobra de interesses cavilosos, para não dizer espúrios. Fizeram o papelão de votar sem saber na lei ignominiosa que pune com maior rigor meninas e mulheres que fazem aborto resultante de estupro do que os seus estupradores.

Tenham a dignidade de voltar atrás e pedir desculpas.

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