Quarta-feira, 20 de novembro de 2024
Por Redação Rádio Pampa | 14 de outubro de 2024
Quando se fala em envelhecimento, tendemos a presumir que a cognição piora à medida que envelhecemos. Nossos pensamentos podem ficar mais lentos ou confusos, ou podemos começar a esquecer coisas, como o nome do nosso professor de inglês do ensino médio ou o que pretendíamos comprar no supermercado. Mas esse não é o caso de todo mundo.
Há pouco mais de uma década, cientistas vêm estudando um subgrupo de pessoas que eles apelidaram de “superidosos”. São indivíduos de 80 anos ou mais, mas cuja capacidade de memória equivale à de uma pessoa 20 a 30 anos mais jovem.
A maioria das pesquisas sobre envelhecimento e memória se concentra no outro lado da equação – em pessoas que desenvolvem demência e, por isso, têm a perda cognitiva acelerada. “Mas se estamos constantemente falando apenas sobre o que está errado no envelhecimento, não capturamos todo o espectro do que está acontecendo na população adulta mais velha”, diz Emily Rogalski, professora de Neurologia da Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, que publicou um dos primeiros estudos sobre “superidosos” em 2012.
Agora, um novo artigo publicado em abril na revista científica Journal of Neuroscience ajuda a esclarecer o que há de tão especial no cérebro desse subgrupo. A principal conclusão, em combinação com um estudo complementar publicado no ano passado sobre os mesmos “superidosos”, é que seus cérebros têm menos atrofia (encolhimento) do que o normal.
A pesquisa foi realizada com 119 octogenários da Espanha: 64 “superidosos” e 55 idosos com capacidade de memória comum para a idade. Os participantes realizaram vários testes para avaliar a memória e as habilidades motoras e verbais. Além disso, foram submetidos a exames cerebrais e coleta de sangue e responderam a perguntas sobre seu estilo de vida e comportamento.
Os cientistas descobriram que os “superidosos” tinham volumes superiores em áreas do cérebro importantes para a memória, principalmente o hipocampo e o córtex entorrinal. Eles também tinham uma conectividade mais preservada entre as regiões da parte frontal do cérebro que estão envolvidas na cognição.
Tanto os “superidosos” quanto o grupo de controle apresentaram sinais mínimos de presença da doença de Alzheimer em seus cérebros, o que é importante para descartar uma influência do diagnóstico nas variações, explica Bryan Strange, professor de Neurociência Clínica da Universidade Politécnica de Madri, na Espanha, que liderou os estudos:
“Ao termos dois grupos com baixos níveis de marcadores de Alzheimer, mas com diferenças cognitivas e cerebrais marcantes, estamos realmente falando de uma resistência ao declínio relacionado à idade.”
Essas descobertas são respaldadas pela pesquisa de Rogalski, realizada inicialmente quando ela estava na Universidade Northwestern, nos EUA, que mostrou que os cérebros dos “superidosos” se pareciam mais com os cérebros de pessoas de 50 ou de 60 anos do que com os de seus pares de 80 anos. Além disso, quando acompanhados por vários anos, os cérebros dos “superidosos” se atrofiaram em um ritmo mais lento.
Não há números precisos sobre quantos “superidosos” existem na população geral, mas a Rogalski acredita que eles sejam “relativamente raros”, observando que “muito menos de 10%” das pessoas que ela atende preenchem os critérios.
Mas, quando você conhece um “superidoso”, é fácil reconhecê-lo, diz Strange: “São pessoas realmente muito enérgicas, você consegue ver. Indivíduos idosos, mas motivados e com muita disposição”.
Os especialistas não sabem como alguém se torna um “superidoso”, embora tenham notado algumas diferenças nos comportamentos de saúde e estilo de vida entre os dois grupos no estudo espanhol.
Mais especificamente, os “superidosos” tinham uma saúde mental e física ligeiramente melhor, incluindo em termos de pressão arterial e de metabolismo da glicose, e tiveram um desempenho superior num teste de mobilidade. Os “superidosos” não relataram fazer mais exercícios em sua idade atual, porém eram mais ativos durante a meia-idade.
Mas, de modo geral, Strange afirma que havia muitas semelhanças entre os “superidosos” e os idosos comuns. “Há muitas coisas que não são particularmente impressionantes sobre eles. Vemos algumas ausências surpreendentes, coisas que você esperaria que fossem associadas aos “superidosos”, mas que na verdade não estavam lá”, cita.
Por exemplo, não houve diferenças entre os grupos em termos de dieta, quantidade de sono que dormiam, histórico profissional ou uso de álcool e tabaco.
Os comportamentos de alguns dos “superidosos” de Chicago também foram uma surpresa. Alguns se exercitavam regularmente, mas outros nunca haviam se exercitado; alguns seguiam uma dieta mediterrânea, outros se alimentavam de jantares assistindo à TV; e alguns deles ainda fumavam cigarros. No entanto, algo consistente entre os “superidosos” era o fato de que eles tendiam a ter relacionamentos sociais sólidos, diz Rogalski.
“Em um mundo ideal, descobriríamos que todos os super-idosos comiam seis tomates todos os dias e que esse era o segredo”, brinca Tessa Harrison, cientista assistente de projetos da Universidade da Califórnia, em Berkeley, nos EUA, que colaborou com Rogalski no primeiro estudo sobre “superidosos” de Chicago.
Em vez disso, continuou Harrison, os “superidosos” provavelmente têm “algum tipo de predisposição à sorte ou algum mecanismo de resistência no cérebro em nível molecular que ainda não compreendemos”, possivelmente relacionado a seus genes.
Embora não exista uma receita para se tornar um “superidoso”, os cientistas sabem que, em geral, comer de forma saudável, manter-se fisicamente ativo, dormir o suficiente e manter conexões sociais são hábitos importantes para o envelhecimento saudável do cérebro.